A crise da vacinação e os desafios da imunização no Brasil

Falta de planejamento, desorganização e decisões equivocadas agravam o quadro da pandemia, prolongando a crise sanitária e criando um ambiente favorável para o vírus.

A distribuição das vacinas contra a COVID-19 no Brasil sempre teve um cenário previsível e a falta de planejamento em torno da imunização não deveria surpreender ninguém. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 9,8 milhões de doses da CoronaVac e 2 milhões da AstraZeneca foram distribuídas até agora. Essas vacinas, originárias da China, atendem a um público inicial de cerca de 15 milhões de pessoas, sendo aproximadamente 7 milhões de trabalhadores da saúde. No entanto, o esquema de duas doses, com intervalo de três semanas, e a quantidade limitada de vacinas tornaram evidente que a demanda superaria a oferta.

Estados e municípios, diante da escassez, começaram a fracionar as prioridades, com destaque para o caso de São Paulo, onde a vacinação foi direcionada para pessoas idosas de 90 anos ou mais. Isso se traduz em pouco mais de 200 mil pessoas, em uma população total de 46 milhões. A decisão de priorizar a vacinação dos idosos mais velhos, em detrimento de outros grupos de risco, não faz sentido do ponto de vista epidemiológico, já que as pessoas com 80 anos também estão no grupo vulnerável.

A interrupção da vacinação, somada à lentidão da campanha, tem um efeito devastador. Além de gerar desinformação, a falta de vacinas pode comprometer a aplicação da segunda dose em muitos casos, resultando em um cenário de desorganização e dificuldades logísticas. Essa situação favorece o vírus, que, de maneira darwiniana, evolui para formas mais agressivas e capazes de se espalhar com mais rapidez. A perda de confiança no processo de vacinação também é um risco, pois pode gerar um sentimento de desalento, prejudicando ainda mais a adesão da população à imunização.

Um dos maiores riscos dessa crise é a possibilidade de o mercado atuar no vácuo da desorganização, transformando a vacina de um direito universal em uma mercadoria. Isso não apenas enfraquece a estratégia de imunização coletiva, mas pode dificultar a erradicação do vírus, já que, ao contrário de vacinas como a antitetânica, a vacinação contra a COVID-19 só será eficaz quando a circulação do vírus for interrompida em larga escala.

O problema não é a falta de expertise do SUS ou de seus profissionais, mas a decisão política de criar obstáculos para a vacinação, com a oposição de negacionistas no governo federal. As vacinas, ao invés de serem distribuídas de acordo com as necessidades epidemiológicas, são pulverizadas de forma desigual pelo país, sem uma análise rigorosa de como a pandemia se desenvolve em cada região.

Além disso, o foco excessivo na vacina tem desviado a atenção dos outros processos essenciais no combate à COVID-19, como o isolamento social, cuidados de autoproteção e rastreamento de redes de contato. O prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), alertou sobre a rápida escalada da pandemia em sua cidade, especialmente com o surgimento de variantes mais agressivas do vírus, como as detectadas em Manaus e Londres.

É necessário mais do que uma disputa pela primazia da vacina. O que se precisa é de uma estratégia efetiva e ágil para a imunização da população, visando uma cobertura universal e imediata. Caso contrário, o Brasil poderá enfrentar uma terceira onda ainda mais devastadora, alimentada pela propagação das variantes do vírus e pela falta de um plano de ação coordenado. O ritmo atual da vacinação, com uma média diária abaixo de 190 mil doses, sugere que o país levaria mais de 4 anos para vacinar 70% da população — um cenário inaceitável diante da gravidade da crise.

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