A mulher maravilha Dilma Rouseff e o golpe

Dilma Rousseff deixou para a história uma aula de dignidade. Enquanto o mundo a sua volta se contorcia para fazer valer um processo contra ela, sua simples retidão e história pessoal garantiram o curso coerente de sua defesa.

Foi sábia em levantar o contraste entre a vida dela e a de seus opositores, e entre seu governo e a linha política do governo interino. Contrastes estes que por si só denunciam a ruptura não apenas com a presidenta eleita mas com o projeto político que ganhou nas urnas, além de denunciar a hipocrisia de se falar de higienização moral através de protagonistas como Eduardo Cunha.

O processo de impeachment, notoriamente baseado em pretextos frágeis e fabricados, nunca antes ouvidos pela população e que não sustentam a ruptura institucional que promete, sugere, por sua desproporção, a estratégia final de usurpar o poder e passar por cima da decisão popular das urnas. De fato, é um golpe, um golpe brando e parasitário, onde os juízes não escutam as evidências colocadas pela defesa e eles mesmos advogam contra a ré, em flagrante desprezo pela justiça.

O impeachment da Dilma Rousseff é triste para todas e todos aqueles que reconhecem nela a posição circunstancial de vítima nesse episódio da luta de classes, da desigualdade de gênero e da ação política de setores ultraconservadores. Mas se é triste para nós, é vexatório para quem vai assumir a posição na história de algoz da democracia e de covardes que simplesmente não conseguiram abalar aquela mulher erguida ali no parlamento.

É desolador perceber que parte considerável das pessoas pró-impechment, anti-Lula e anti-PT não se importa nem um pouco se foi “golpe” ou não, se o processo ocorreu de fato por dentro da Constituição ou se Lula está sendo procurado pela Lava Jato dentro dos princípios do direito e da justiça. “O importante é andar pra frente”, dizem eles. E de repente o slogan cafona “ordem e progresso” do governo Temer ganha coro em parte da base civil.

Tem pelo menos dois problemas nessa postura. A primeira é a totalização de uma visão de mundo. Para essas pessoas, existe um único pressuposto correto sobre o que é “modernização”, que é o dela, e todos aqueles que discordarem serão considerados pessoas que “votam errado”.

Esse discurso vê os eleitores de um partido como parte de um problema, como pessoas que precisam ser corrigidas ou seu voto desconsiderado. Daí deriva o segundo problema, que é o autoritarismo. Ter tido Dilma reeleita em 2014 contra Aécio Neves por 52% dos votos não foi fácil de digerir para a direita antidemocrática desse país.

Acusaram as urnas, emergiram discursos separatistas, ecoou o regionalismo e o preconceito de classe. A verdade é que a democracia tem sido vista como um entrave para a “ordem e o progresso”, pois, um governo eleito que não vá na direção do que essa classe média considera moderno é visto como um desvio de direção, um erro, e toda a complexidade da formação de opinião e a diversidade de pontos de vista são atropelados.

É enfurecedor para ela que, na democracia, o poder de consumo e o posto social na hora do voto sejam totalmente desconsiderados e que um bilionário valha tanto quanto um analfabeto no sertão do Piauí diante das urnas. Na verdade, a igualdade é uma condição que o coronelismo desse país não estava preparado para lidar ou suportar por mais do que 12 anos, segundo a prática nos contou agora.

Tantos anos engasgados de “tolerância” se transformou hoje nessa cruzada sem provas contra Lula, que quer prendê-lo sem crime, assim como fizeram um impeachment sem crime. O “tchau, querida”, no fim das contas, é recheado pela arrogância de classe e pela vaidade de se ter passado por cima das urnas, assim como pela vaidade de se pretender prender alguém apenas por vontade ou “convicção”.

Como se pode ver, ser golpista não é xingamento nesse país, é demarcação de privilégio.

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