O fenômeno Nego Di não é apenas o reflexo de um comediante que ascende em sua carreira, mas de um sistema cultural enraizado que legitima o racismo camuflado sob a máscara do humor.
O sucesso de Nego Di, um dos personagens mais polêmicos do cenário brasileiro atual, é um reflexo do racismo estrutural e cultural da região sul, especialmente do Rio Grande do Sul. Seu humor, que muitos consideram irreverente, esconde uma visão distorcida da realidade, perpetuando estereótipos que reforçam os preconceitos históricos. Ao longo de sua ascensão, Nego Di se tornou um símbolo dessa contradição: sendo negro, ele foi capaz de, ao mesmo tempo, consolidar uma imagem de “humor neutro”, um humor que faz rir e, ao mesmo tempo, perpetua a marginalização de minorias.

A habilidade de Nego Di de “rir das próprias dores”, ou de representar uma caricatura que agrada ao público, está ligada à lógica de uma meritocracia disfarçada, que se apoia em valores superficiais como o “politicamente incorreto” e que, muitas vezes, ignora os danos que ele causa a indivíduos e à sociedade. A ascensão do humorista no cenário gaúcho, e mais especificamente em Porto Alegre, não é um fenômeno isolado, mas um produto de uma cultura local que consome e legitima esse tipo de representação.
É importante observar que Nego Di, como muitos outros personagens do humor brasileiro, é um reflexo daquilo que Freud chamou de “Folie à Deux”, um transtorno psicótico compartilhado. Nesse caso, a visão distorcida da realidade, que inclui racismo, misoginia e estereótipos, é compartilhada por um grande grupo que valida esse comportamento. Esse ciclo é reforçado pela ideia de que, ao se colocarem como vítimas de uma sociedade que não os compreende, os envolvidos no grupo conseguem reverter a narrativa, criando um falso “eu” que ganha adeptos.
Essa dinâmica é visível nas edições do Big Brother Brasil, onde figuras como Nego Di, Karol Conká e outros participam de um jogo de manipulação e autoafirmação. Muitas vezes, a vítima se torna o algoz, e o algoz se apresenta como vítima, criando uma distorção completa da realidade. No caso de Nego Di, ele pode até ser visto por alguns como injustiçado, mas essa visão ignora o racismo estrutural que permite que ele cresça em uma cultura que legitima esse tipo de discurso.
Portanto, mais do que um simples questionamento sobre o comportamento de um indivíduo, é necessário refletir sobre o ambiente que cria esses personagens e os permite prosperar. A cultura gaúcha, em particular, tem um histórico de validar o que há de mais prejudicial e alienante nas representações de seus humoristas. Como sociedade, precisamos questionar as narrativas que escolhemos celebrar, especialmente quando elas perpetuam estereótipos e ignoram as implicações mais profundas de suas mensagens.
Por fim, é fundamental entender que as discussões em torno de Nego Di e do BBB21 não se limitam a julgamentos individuais. O que está em jogo é a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre a cultura do humor, o racismo disfarçado de diversão e as formas como a sociedade valida ou rejeita essas representações. Para que possamos avançar, é preciso cancelar essa edição do programa, assim como as estruturas que alimentam o racismo e a alienação em nossa cultura.