No universo do Big Brother Brasil, as figuras que se destacam como vilãs nem sempre são as que, à primeira vista, parecem ser os vilões. Em uma análise mais profunda, a verdadeira manipulação vem de quem controla o jogo, e esse personagem é, muitas vezes, invisível ao público: Boninho.
As edições do BBB são recheadas de conflitos e tensões, mas, por trás deles, há uma estrutura bem planejada de manipulação e gestão de narrativas. Karol Conká e Lumena, duas figuras polêmicas do BBB21, exemplificam o lado mais agressivo dessa dinâmica. Elas são, sem dúvida, arrogantes e implacáveis, mas suas atitudes não são apenas produto de seus próprios comportamentos, mas de uma máquina maior que as utiliza como peças em um tabuleiro. O que a Globo, e mais especificamente Boninho, fazem é criar e fortalecer personagens que, mesmo polarizando e dividindo o público, geram uma enorme audiência.
O BBB tem sido mais do que apenas um programa de entretenimento, ele se tornou um campo fértil para disputas de poder, de imagem e, sobretudo, de valores sociais. O ano anterior, o BBB20, foi marcado pela narrativa das “fadas sensatas”, com Manu e Rafa defendendo ideias de união e reflexão, mas, no final, foi Thelma quem se destacou, ganhando o prêmio e trazendo consigo uma mensagem de força e resistência. Contudo, a grande ironia é que, em uma narrativa de fortalecimento das vozes negras e do empoderamento, a Globo construiu dois arcos que, em certa medida, buscam contestar isso. Karol Conká e Lucas são os opostos dessa mensagem: enquanto Thelma representava a união e a resiliência, Karol representa a divisão e a arrogância, fazendo um contraste gritante. E a realidade é que essas narrativas foram cuidadosamente construídas para gerar conflito.
A manipulação das emoções do público é uma estratégia que Boninho aprendeu a usar como ninguém. Ao construir personagens e situações polarizadoras, ele garante que o programa sempre esteja em alta, gerando discussão e controvérsia. Por mais que Karol Conká seja a antagonista que todos amam odiar, o verdadeiro vilão é aquele que orquestra toda essa dinâmica, se aproveitando de nossas reações emocionais para manter a audiência no pico. O foco no conflito, muitas vezes alimentado pela arrogância e pelos erros dos participantes, serve a um único propósito: manter o programa relevante, mesmo que isso signifique alimentar um ciclo destrutivo.
Essa dinâmica se estende além do programa e reflete uma realidade social muito mais ampla. Ao tratar questões raciais e de identidade, o BBB se torna um reflexo das divisões e dos estigmas da sociedade brasileira. O público, particularmente os negros e negras, se vê representado de maneira distorcida, e a manipulação dos comportamentos dos participantes faz com que a imagem de empoderamento se conflite diretamente com a de opressão, criando uma narrativa que reforça a ideia de uma luta constante para provar o valor dentro de uma sociedade ainda profundamente segregada.
A verdadeira crítica, portanto, não está apenas nas ações de Conká ou Lumena, mas em como Boninho, por meio do controle das narrativas, alimenta essas polaridades. Como mencionado, o BBB só dá certo quando as pessoas falham, e é essa falha, muitas vezes encenada e manipulada, que mantém o público fixado. As tensões criadas dentro da casa, com todos os ataques e defesas, são armas que fazem o programa durar e gerar discussões intermináveis.
Porém, o grande aprendizado que emerge desse ciclo é o reflexo das próprias feridas da sociedade. O que acontece dentro da casa do BBB não é isolado: ele representa um microcosmo do que ocorre em nossas relações cotidianas. As feridas emocionais não tratadas, os preconceitos internos e a dificuldade de lidar com o outro – especialmente com o diferente – se traduzem, em muitos casos, em atitudes de cancelamento, exclusão e desprezo.
O jogo de imagens e discursos construídos no BBB21 não está distante das realidades de nossas relações. E, por mais que Boninho seja o mestre da manipulação das emoções, a maior lição a ser tirada é a de que as divisões que vemos nas telinhas são reflexo das divisões em nossa sociedade real. A sociedade brasileira não é homogênea, e, como se vê, a discussão sobre identidade negra, o lugar do negro na sociedade e os diferentes posicionamentos dentro dessa narrativa estão longe de serem simples ou consensuais. A luta de classes, o racismo estrutural e a política de identidade não se resolvem com narrativas manipuladas em um reality show, mas sim com uma reflexão profunda e um trabalho contínuo de construção de solidariedade e entendimento.