Não há dúvidas de que vivemos a normalização do absurdo

Trata-se desse fenômeno em que o anormal, o extremo, o errado e o gritante começam a adquirir traços cotidianos através das instituições públicas que deveriam ser referência para o bom pensamento e para os bons princípios de uma sociedade civilizada e plural.

O Supremo Tribunal Federal, defensor maior da constituição, permitir o ensino religioso confessional em escolas públicas, em meio a uma sociedade de enorme pluralismo religioso como a nossa, é um desses acontecimentos bizarros que ninguém imagina que aconteceria.

Ensino religioso: STF decide que escola pública pode promover crença  específica em aula de religião | Brasil | EL PAÍS Brasil
Ensino religioso. | Banco de imagens

Se ainda fosse uma questão pontual, seria apenas absurdo, mas torna-se medonho em um contexto de “combate a ideologia de gênero” nas escolas, assim como de intervenção do judiciário contra o Conselho Federal de Psicologia para permitir o exercício das medievais e proscritas terapias de reorientação sexual por psicólogos. O STF, que deveria ser o último freio contra esses absurdos, os endossou com primor.

Pensar nas reformas política, trabalhista e da previdência, que aumentam os privilégios políticos e atacam os direitos civis e a seguridade social, além da conjuntura de um congresso que mantém Temer e um Senado que defende Aecio contra o Supremo, dois criminosos flagrados, enquanto impediram Dilma Rousself pelas chamadas pedaladas fiscais, reforçam o quanto a moral e a coerência foram sitiadas nas instituições públicas.

Como se não bastasse, temos uma sociedade civil abarrotada de seguidores de oportunistas medíocres como MBL e de salvadores da pátria viúvos da ditadura como Bolsonaro crescendo em pesquisas de opinião e ganhando liderança para os cargos de maiores responsabilidade pública do país.

É, de fato, a banalização do inconcebível, que em seu volume nos retira os parâmetros do que é improvável, do que não pode acontecer, e nos isola perante a desconfiança em relação às instituições públicas de respeito. Em outras palavras, ameaça nossa capacidade de pensar e agir.

E o perigo, segundo o que a história nos conta, é que quando o absurdo se normaliza, ele se torna potencialmente ilimitado. A fragmentação da sociedade em sua esfera simbólica e moral, com sua progressiva distorção do bem, em suma expõe o desamparo dos grupos marginalizados e discriminados, abrindo caminho cada vez mais para a imaginação sempre criativa, sórdida e inovadora do ódio.

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