Das diferenças de classe, raça e lugar.

Descendo no portão da minha casa, bairro da periferia em São Paulo para pegar uma entrega de Ifood, me deparo com uma viatura da PM parada, com luzes acessas, e uma aglomeração de pessoas em torno, entre homens, mulheres, crianças e três PM fardados. Indago a mim mesmo o que poderia ter motivado aquela presença atípica na minha rua. Um acidente? Uma blitz? Um intruso no bairro?

Uma senhora me vendo observar interrompe minha testa franzida e diz “não é nada demais não. Meu neto está fazendo aniversário e como ele gosta muito da polícia a minha família fez uma surpresa e chamou os policiais”.

Respondi “que horror” e, sem muitas delongas, dei boa noite e subi.

Não sei até que ponto minha resposta com mais espontaneidade do que eu pretendia assustou minha vizinha. Mas minha exclamação na hora apenas expressava meu pensamento direto nas crianças pretas e periféricas nesse país que temem a PM.

Como num país sério pode, durante o expediente, uma viatura com policiais armados cumprirem o papel de animador de aniversário de criança branca e pobre? Como essa mesma polícia para uns são tão admiráveis e dóceis para outros são tão assustadores? Alguém consegue imaginar o mesmo evento ocorrendo numa comunidade? Seria no mínimo mórbido.

Evidentemente que a culpa não recai, pelo menos não de forma generalizante, no policial individual. Estes em sua maioria vem da mesma classe à qual assustam, também são negros, e possuem um trabalho insalubre, perigoso e mal remunerado, muitas vezes sem amparo do Estado ao qual serve e com desprezo pela elite à qual protege. Mas essa contradição deve recair sobre a PM como instituição.

Como assumiu o Tenente Coronel Fernando Alencar Medeiros em 2017, a polícia deliberadamente trata classes e raças diferentes enquanto política de Estado. Só é nauseabundo, chocante e meio patético testemunhar ao vivo o quanto.

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