Quando se considera cotas e políticas afirmativas como “reparação histórica”, ninguém está falando de reparação por coisas do passado, como se fosse uma “recompensação” pela escravidão. Este não é o significado de “reparação histórica” e sequer faria sentido, porque não são os negros de hoje que sofreram escravidão.
Quando se fala de reparação histórica, fala-se de uma desigualdade racial atual, mas que, no entanto, não se consolidou pelas ações do presente. Trata-se, assim, da observação de que hoje as pessoas vítimas da desigualdade racial não podem assumir a responsabilidade por sua condição de “desvantagem”, pois, essa desigualdade foi determinada por ações históricas, não por elas mesmas enquanto indivíduos.
“Reparação histórica”, portanto, é, a rigor, um conceito meritocrático, pois, entende que as pessoas não podem ser punidas por coisas que não fizeram e precisam de condições honestas para disputar individualmente as oportunidades do mundo acadêmico e do trabalho. É a percepção de que somente com a responsabilização coletiva eu posso medir o verdadeiro “valor” de uma pessoa e dar a ela o que é dela (que é o sentido de mérito).
A única dificuldade para entender esse conceito é saber que:
1) houve escravidão no Brasil
2) a população negra libertada foi marginalizada ao invés de reparada
3) isso perpetuou a desigualdade racial no Brasil por 130 anos e ninguém fez nada até hoje. Todo o resto é confusão conceitual.
Ademais, ninguém disse que é fácil, enquanto branco, assumir a responsabilidade por ações de pessoas brancas do passado. Vai ser justamente a gente que vai arcar com esse ônus. Mas é o certo a se fazer por uma questão de justiça e, também, de dignidade pessoal a partir dessa consciência, pois é igualmente anti-meritocrático comemorar conquistas numa disputa desonesta, em que não sabemos qual nosso real valor enquanto indivíduos por causa do peso das desigualdades historicamente determinadas.
Só quem é bastante confiante no próprio potencial vai encarar essa responsabilidade tranquilamente.