O Bolsonarismo e a pandemia de Covid-19 no Brasil

Agora que nos aproximamos de dois anos e dois meses de governo Bolsonaro, assolados pela pior ameaça viral em um século, precisamos constatar algo sem retorno na história do Brasil.

O Bolsonarismo há de ser um capítulo de nossa história, com o merecimento de ampla e profunda investigação, principalmente pelo seu legado traumático que vem tragando diversos aspectos da cultura nacional. Já não são objetos neutros ou de lugar comum para o povo brasileiro as cores e o uniforme de sua seleção de futebol e, até mesmo, a bandeira nacional.

Também já não são neutros atores famosos, jornalistas e apresentadores de televisão que foram bem quistos ao longo de suas décadas de carreira.

Esses precisam ser lembrados, mesmo após sua morte, por seu apoio a um dos maiores genocidas de nossa história. E é melhor que sejam mesmo, pois o pior que poderia nos acontecer é o esquecimento.

É importante, a partir de agora, pensarmos como podemos identificar e lidar com isso que precisa ser chamado de Bolsonarismo.

Isso decorre de traços do Bolsonaro, mas se inicia antes dele e, infelizmente, ainda existirá após sua saída da presidência. Levando isso em conta, podemos levar a cabo algumas premissas: Bolsonaro é o que sempre foi e continuará sendo. Nunca acenou estrategicamente à ninguém.

As simulações de discursos para agradar o eleitorado mais amplo e menos radical sempre foram fracas e insignificantes. Não consegue fazer alianças, não consegue mediar, ponderar, nem mesmo trabalhar em equipe. Continua o exemplo de anti-política travestido de anti-sistema que sempre foi. É tosco e foi exaustivamente enfeitado por análises refinadas atribuindo brilhantismo de estratégia à sua tosquice. Como exemplo, podemos citar a teoria que já não vale muito em nossa imprensa, chamada “cortina de fumaça”.

“Eu sou militar, minha especialidade é matar gente”.

Poucos tiveram a sorte de um momento social se afinar tão bem à sua personalidade e às suas vontades. Aquele que dizia que o Brasil só mudaria com a morte de ao menos “uns trinta mil” está perto de realizar o seu sonho.

O Brasil está mudando (para pior), e tão certo quanto o céu é azul, morrerão trinta mil antes do fim de julho. Bolsonaro está deixando seu legado e ele é repleto de corpos, parte deles declarada e outra parte oculta por estatísticas oficiais.

Parte da elite brasileira é Bolsonarista, era antes de Bolsonaro chegar e será após ele partir. Um grupo de pessoas sádicas, com zero empatia com seus conterrâneos e ainda ressentidas com acontecimentos históricos tais como a “abolição da escravatura”.

Essa elite não é liberal, conservadora, progressista, ou qualquer classificação que sirva para delimitar alguém que fez uma escolha por princípios. Operam numa lógica predatória própria a de um bando, se agruparão em torno de quem oferecer o saque mais alto de maneira mais imediata. Independente do custo que isso traga para qualquer um que não faça parte do mesmo bando.

Considerando essas três premissas podemos afirmar que o Brasil é, sem qualquer licença poética ou uso de metáforas rebuscadas, uma distopia. Sobreviver aqui é possível e até confortável caso você pertença a uma classe de pessoas favorecidas.

De resto, é puro desespero e luta pela sobrevivência. É um país governado por um vilão estereotipado e amparado por uma corja bajuladora também estereotipada.

O que se apresenta nesse momento é uma lição histórica: todos que estiveram no poder e não usaram de todos os seus recursos para criminalizar o golpe militar por medo de tomar outro golpe, demonstraram que estiveram sob constante coerção de um poder que nunca deixou acossar, chantagear e ameaçar os que estavam no governo.

A transição para a democracia nunca terminou no Brasil.

Então, abandonemos as ilusões de negociação ou de um grande pacto nacional com o supremo, com tudo. A instituição que livrou Bolsonaro de um atentado à bomba em suas próprias instalações não tem comprometimento em proteger a sua população. Se tivesse, não teria apoiado Bolsonaro. Se tivesse, não teria avançado contra estudantes, torturando-os e sumindo com seus corpos na calada da noite alegando “combate ao comunismo”.

Nem Mourão, nem coronavírus, nem congresso comprado por empresários irão nos livrar do Bolsonarismo. O Bolsonarismo não é Jânio, não é general que conduz a reabertura. O Bolsonarismo é o empresário que visitava o centro de tortura para se divertir às custas do torturado. É o traficante de escravos que driblava tratados internacionais para seguir se beneficiando do horror da escravidão.

A estratégia de não usar seu nome durante a eleição, gritando #elenão, fracassou, agora é hora de aplicar o nome como um adjetivo a pessoas e atitudes. É hora de usá-lo com precisão. Não há maior ofensa do que dizer que alguém “age como um Bolsonaro”. Quando o vizinho faz festa em meio a uma pandemia, digamos “não seja Bolsonaro”. Quando coloca a vida do outro em risco desnecessário “isso é coisa de Bolsonarista”, quando desrespeita e atrapalha alguém que faz uma boa ação “ele é assim, é Bolsonarista”. Não há ofensa que alcance esse nome, não há adjetivo que o defina, nada pode ser tão ruim, pérfido, tosco e mau quanto um Bolsonaro no Brasil de 2020.

Por isso, só nos resta sobreviver e lutar para que se escreva e se transmita essa história adiante. O Bolsonarismo no Brasil é antigo, poderoso e persistente. Nenhum projeto de país que respeite e defenda a vida de seus conterrâneos irá prosperar sem nomear e julgar os crimes cometidos pelas pessoas e instituições que o endossam ou já os endossaram. Essa chaga, caso seja ignorada, apaziguada ou esquecida, nunca deixará que o Brasil seja algo além de ruína.

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