Explorando a diferença entre solitude e solidão-vazio em tempos de isolamento social.
A solidão não é necessariamente uma inimiga do ser humano, mas uma oportunidade de introspecção. Podemos, sim, nos sentir amparados mesmo em nossa própria companhia, encontrando consolo na reflexão socrática de que estar a sós pode ser, na verdade, uma companhia valiosa. A solitude é um espaço possível quando o ambiente social nos oferece a paz necessária para entrar e sair de nossos próprios pensamentos sem pressões externas. É um espaço de liberdade que, paradoxalmente, só se torna real quando a sociedade ao nosso redor permite esse distanciamento, seja fisicamente ou emocionalmente.
Por outro lado, a solidão-vazio, a ausência de qualquer tipo de conexão profunda, é um fenômeno que pode ocorrer mesmo na presença de outros. Quando nos encontramos cercados por pessoas cuja companhia é superficial ou sem significado, estamos ainda mais propensos a sentir a dor do vazio existencial. Pensar, em um contexto coletivo, é um movimento que exige um esforço compartilhado para compreender e refletir sobre o mundo e nossos lugares nele. Porém, quando esse movimento é substituído por uma forma de existir sem reflexão, uma existência sem alma, a solidão-vazio nos consome, não importando quão rodeados de outros estejamos.
Durante a quarentena, fomos desafiados a vivenciar uma forma de isolamento que, em muitos casos, revelou-se uma oportunidade para refletir e redescobrir nossa própria companhia. Embora a ausência de experiências externas tenha gerado tédio e desconforto, o isolamento social coletivo não deveria ser visto como um exílio solitário, mas como uma ação coletiva de responsabilidade, onde todos nos unimos pela preservação do bem-estar comum. Nesse contexto, a solitude, longe de ser um castigo, poderia se tornar uma pausa para a renovação e para o cuidado com o próximo.
Entretanto, o que ocorre quando uma parte da sociedade se recusa a colaborar com esse esforço coletivo e rompe o isolamento? Quando a irresponsabilidade prevalece e as evidências científicas são ignoradas em nome do egoísmo e do desejo individual, o isolamento se torna ainda mais doloroso. A verdadeira solidão-vazio surge não apenas pela ausência física de outros, mas pela desconexão com a realidade e com os valores da coletividade. Neste cenário, a solidão não é mais apenas uma experiência interna, mas se expande para uma sensação de estar perdido em meio a uma sociedade que se recusa a ouvir as evidências da razão.
A solidão-vazio imposta pela ignorância coletiva é talvez a mais difícil das experiências, pois não se trata de um vazio solitário, mas de um deserto em que gritos de razão se perdem em meio a uma massa surda. Nesse estado, a quarentena se torna um fardo ainda mais pesado, pois é preciso se isolar não apenas fisicamente, mas também da mentalidade que perpetua a indiferença e a desinformação. O verdadeiro isolamento, então, não é a ausência de pessoas ao nosso redor, mas a desconexão com a verdade e com a empatia coletiva. É nesse espaço de desolação que a solidão-vazio se torna uma questão urgente, e a verdadeira quarentena é a luta contra a ignorância que, por vezes, nos separa ainda mais uns dos outros.