“O que é perigoso é pensar que a masculinidade é uma coisa bem-delimitada e a feminilidade outra, e que ambas não podem ser mais que isso. Da mesma forma, a melancolia de que falo aparece sobretudo na formação de identidades rígidas.
Se eu gritar, erguendo o punho: “Sou homossexual!”, ou outra coisa, se minha identidade se torna algo que afirmo, que devo defender, então há rigidez. Qual é a necessidade de fixar-se de uma vez por todas?
Como se eu conhecesse o meu futuro, como se pudesse ser um todo contínuo! Existem formações identitárias que se defendem ao experimentar alguma perda – é essa a melancolia do sujeito heterossexual que me interessa.
Tomemos certas formas de hipermasculinidade ou de hiperfeminilidade na cultura heterossexual, e teremos certo ar queer (performativo) porque são hiperbólicas. Um homem, por exemplo, que tem medo de ter o menor rastro de feminilidade nele, e que esconde qualquer um deles.
No mundo gay e lésbico também pode haver certa “polícia da identidade”. Como se, enquanto lésbica, eu não fosse senão uma lésbica, não tivesse senão sonhos lésbicos, não tivesse senão fantasias com mulheres. A vida não é a identidade!
A vida resiste à ideia da identidade, é necessário admitir a ambiguidade. A identidade pode muitas vezes ser vital para enfrentar uma situação de opressão, mas seria um erro utilizá-la para evitar enfrentar a complexidade.
Você não pode saturar a vida com identidade.” – Judith Butler em entrevista para Ursula Del Aguila, revista Têtu, 2008