Analisando o perfil político do ex-presidente Jair Bolsonaro à luz das características de líderes totalitários.
O perfil político de Bolsonaro, em minha visão, apresenta mais características de um movimento pronto-totalitário do que de um regime ditatorial tradicional. Essa distinção é relevante para compreender as dinâmicas do seu governo e o fenômeno político que ele representa. A diferença essencial entre um tirano e um líder totalitário é a conexão que o último mantém com o movimento que o cria. Enquanto o tirano, de acordo com Maquiavel, está distanciado de seus súditos e age de forma impessoal, o líder totalitário se identifica completamente com o movimento e as massas que o seguem.
Esse fenômeno simbiótico, entre o Líder e a massa, é um produto moderno do autoritarismo, que cresce dentro das estruturas democráticas sem necessariamente precisar suprimí-las por meio de golpes. A partir dessa conexão com o movimento, o líder totalitário, como observa Hannah Arendt em sua análise sobre Hitler e Stalin, “personifica a dupla função de ser a defesa mágica do movimento contra o mundo exterior e, ao mesmo tempo, ser a ponte direta através da qual o movimento se liga a este mundo”. O líder precisa manter uma imagem de moderação, minimizando a indignação que o movimento provoca no exterior, apelando para “mal-entendidos”, ao mesmo tempo que dá diretrizes que alimentam a destruição dentro do movimento.
No entanto, o que é ainda mais preocupante do que o próprio líder totalitário é a turba que o rodeia. Ela funciona como uma “cortina de ferro ideológica” que impede uma compreensão mais profunda do que realmente está acontecendo no centro do poder. Esse fenômeno pode ser comparado ao conceito de “horizonte de eventos” dos buracos negros, onde pouco se sabe do que ocorre dentro da estrutura de poder, mas sua influência afeta amplamente o exterior.
Essa relação simbiótica e a identificação do líder com o movimento geram uma dinâmica única de liderança. Algumas pessoas de fora podem ter a esperança de que, ao conversar diretamente com o líder, conseguirão perceber um indivíduo que “estaria acima” do movimento, mas na verdade, o líder está, de fato, no centro desse fenômeno. Essa estratégia de se apresentar mais moderado do que realmente é torna o movimento ainda mais complexo, permitindo-lhe expandir sua base de apoio enquanto mantém um discurso de “não-ditadura”.
A relação entre Bolsonaro e seu movimento político, portanto, é mais parecida com a de Getúlio Vargas, embora de forma mais radical e obscurantista. Não é surpresa, portanto, que muitos temam o avanço de um regime autoritário, mas também não é inesperado que, apesar dessa tendência, o movimento de Bolsonaro insista na ideia de que não se trata de uma ditadura. Esse fenômeno representa uma liderança inédita no Brasil, que mantém potenciais autoritários, mas de uma forma diferente das ditaduras tradicionais.
O futuro desse movimento, se caminhar para a concretização de um regime autoritário ou se permanecer no campo do discurso e da organização política, ainda é incerto. Contudo, as tendências já estão claramente sinalizadas. O contexto internacional, as tendências econômicas neoliberais e o grau de capacidade de diálogo e politização fora do movimento serão fatores cruciais na definição de sua trajetória. As possibilidades autoritárias, no entanto, continuam a ser uma ameaça real, como demonstram os exemplos históricos de líderes totalitários e suas estruturas de poder.