O desafio de lidar com o arrependimento eleitoral e a necessidade de unidade para enfrentar Bolsonaro.
É uma situação complexa e, ao mesmo tempo, profundamente humana. Aqueles que se opuseram de maneira contundente ao governo de Bolsonaro, cientes das ameaças que ele representava, agora se veem diante de uma resistência em aceitar os eleitores arrependidos, os que, talvez por erro ou desinformação, deram seu voto ao presidente em momentos passados. Para muitos, a postura de recusar acolher esses eleitores é vista como uma maneira de afirmar a moralidade do próprio posicionamento. Afinal, como pode alguém que cometeu um erro tão grave exigir ser ouvido e aceito depois de tanto desdém para com os alertas que foram feitos antes? Essa visão, embora compreensível, precisa ser analisada sob outra ótica, a de quem acredita na importância de certos princípios democráticos.
Em muitas situações, a reação imediata a um arrependimento é motivada pela indignação, pela sensação de que a própria experiência de ter sido ignorado ou desconsiderado, mesmo tendo avisado das consequências, dá à pessoa o direito de “retribuir” com uma postura de exclusão. Ao se apegar à sensação de justiça, pode-se cair na tentação de tratar o arrependido como alguém que não merece acolhimento, como se esse fosse o caminho mais legítimo. No entanto, é fundamental refletir sobre o que está por trás desse movimento, pois o que pode parecer um ato de justiça nada mais é do que um desejo de vingança. É, muitas vezes, uma expressão de narcisismo, um prazer pessoal em afirmar a própria superioridade ao “mostrar” que se estava certo.
Aqueles que realmente carregam a verdade consigo não necessitam reafirmá-la constantemente, nem buscar formas de provar que estão em uma posição superior. A verdadeira convicção vem com a serenidade de saber que o caminho escolhido é o certo, sem precisar depender da validação do outro. Aquele que se sente inseguro em sua verdade, que precisa se afirmar a todo custo, está, na verdade, revelando uma fragilidade interna. Em tempos de crise política, como os vividos no Brasil, essa fragilidade pode se tornar um obstáculo para a construção de um ambiente político saudável.
Por mais difíceis que sejam as escolhas políticas e os posicionamentos que tomamos, é preciso reconhecer que a realidade é vista de diferentes ângulos por cada pessoa, e que todos, mesmo os que cometem erros, o fazem em circunstâncias que muitas vezes não conseguimos compreender totalmente. No fundo, tanto os acertos quanto os erros são feitos sob uma perspectiva limitada e parcial da realidade. Por isso, é importante ser capaz de aceitar os outros em sua diversidade e complexidade, sem julgar de maneira apressada as motivações que levam alguém a fazer uma escolha política equivocada.
No campo estratégico, a política exige uma abordagem pragmática. Embora a verdade seja importante, na prática política, é a inteligência que se torna decisiva. O momento atual, em que é urgente conter o avanço do bolsonarismo, exige união e a garantia de uma maioria soberana. Nesse contexto, focar no arrependimento de quem já se arrependeu não contribui para a construção de uma frente política eficaz. Pelo contrário, pode reforçar a divisão e fazer com que os que se arrependeram se sintam empurrados de volta para a base do bolsonarismo. A vitória contra Bolsonaro não virá da reafirmação de um espírito de superioridade, mas do entendimento de que a política precisa ser um campo de diálogo, de inclusão e de construção coletiva.
Assim, o verdadeiro combate a Bolsonaro não deve ser conduzido por um espírito de vingança ou exclusão, mas pela disposição de abrir mão de certos egos pessoais e pela criação de um espaço político que permita a reconciliação e a união em torno de um objetivo maior. É essencial lembrar que, para enfrentá-lo, será necessário superar o próprio narcisismo, a soberba que nos habita e que, muitas vezes, nos impede de dar o passo necessário em direção à construção de uma sociedade mais justa e democrática.