Sobre o eleitor arrependido, o querer fazer a diferença.

Não é incomum eleitores das mais diversas correntes de oposição ao Bolsonaro, os quais tinham clareza das ameaças que tal candidatura representava, agora se recusarem a acolher os eleitores arrependidos.

Alegam que tudo foi “avisado”, que Bolsonaro está cumprindo justamente o que prometeu e que a “culpa” de tudo é dessas pessoas e de seu “voto errado”. Pelos princípios democráticos pelos quais me baseio, eu não poderia concordar com essa postura.

O porquê da resistência costuma ser muito compreensível. Pensa-se: como essa pessoa, que não teve empatia por mim, que não escutou quando avisei, que não viu o que estava tão óbvio para ver, pode exigir agora que eu a escute, que eu a acolha?

Em certo momento, pode-se interpretar a própria indignação como necessidade de justiça, e passar a achar justo reverter o arrependimento na possibilidade de esmagar o outro com o julgo.

Não se engane, essa pretensa justiça é psicologicamente apenas vingança narcísica. É pura vaidade pessoal fazer uso da verdade como forma de se colocar numa posição superior.

De fato, pode ser prazeroso para o espírito ensimesmado afagar o ódio. No entanto, quem de fato carrega a verdade consigo mesmo não precisa se reafirmar. Quem tem convicção do que faz, carrega consigo uma certeza que não tem outra escolha senão acolher.

Aquele que precisa se afirmar, denuncia a insegurança da verdade que carrega. E não creio ser necessário tal postura em quem tinha convicção antes e continua com sua convicção agora.

Contra tal narcisismo, temos que lembrar de nossa relatividade constitutiva. As pessoas não vêem a realidade da mesma forma, não possuem apreensão do todo. Nem quem erra, nem quem acerta.

Todos os erros sempre foram cometidos sob aviso aos mesmo tempo em que todos os acertos são cometidos sob descoberta. Tendo isso em vista, nada mais natural do que aceitar o movimento interior dos outros e compreender que as motivações de certas escolhas, mesmo as que mais julgamos equivocadas, são de tal variação que muitas vezes somos incapazes de alcançar.

No mais, também cabem os argumentos estratégicos, os quais embora sejam de ordem inferior possuem sua validade. Em política, não adianta carregar a verdade consigo, é necessário antes inteligência.

No momento em que se torna urgente combater Bolsonaro, impedir seu avanço e travar seu processo de destruição, faz-se necessário unificar e garantir maioria soberana.

Insistir em utilizar o momento de arrependimento para reverter o jogo não agrega em nada no combate ao Bolsonaro. Aliás, o faz crescer. Tanto porque o bolsonarismo em si mesmo representa a diminuição da linguagem e do espaço de comensurabilidade comum entre as pessoas – fazendo crescer justamente a guerra (que é onde a linguagem como mediadora falha) –, quanto porque ao não acolher, obviamente se empurra o outro de volta para o outro lado.

Contra Bolsonaro, faz-se necessário abrir mão do próprio espírito que constitui o bolsonarismo, a própria soberba narcísica que habita em todos e que difere apenas quanto ao grau de intensidade em cada um.

Contra ele, é necessário primeiro demarcar a diferença com a qual encaramos a política e o tratamento com o outro, principalmente quando este outro, por razões que não importam, toma a iniciativa de se aproximar de nós.

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