Embora a biologia tradicional defenda que o sexo tem como única função a reprodução e a manutenção da espécie, pesquisadores como Adolf Portmann nos mostram que a natureza está longe de ser tão simplista, revelando que a sexualidade animal vai muito além dessa perspectiva restritiva.
Recentemente, li uma matéria sobre homossexualidade em insetos, e a quantidade de interpretações equivocadas sobre um comportamento tão complexo me fez refletir sobre a fixação da ciência biológica pelo funcionalismo.
Cientistas se digladiam para justificar por que práticas aparentemente dispendiosas, como a homossexualidade, seriam aceitas pela evolução. Alguns argumentam que ela seria uma estratégia de distração dos machos para que outros, distraídos, não se aproximassem das fêmeas. Outros, como o cientista Kris Sales, da Universidade de East Anglia, sugerem que as dificuldades visuais dos besouros seriam a explicação para esse comportamento. Contudo, essas respostas revelam a insistência da biologia tradicional em buscar uma única explicação funcional para qualquer fenômeno, ignorando as complexidades que escapam a essa visão.
A biologia evolutiva, em sua obsessão por encontrar um “propósito” para tudo, não percebe que a natureza nem sempre segue um raciocínio funcionalista. A tentativa de forçar uma explicação para a homossexualidade, por exemplo, ignora uma questão fundamental: será que é mesmo necessário atribuir uma função única e explicativa a comportamentos que não se encaixam nos paradigmas convencionais da sobrevivência e reprodução?
Um exemplo notável dessa crítica ao funcionalismo é o zoólogo Adolf Portmann, cujas ideias desafiaram a visão tradicional da biologia. Portmann observou que muitos aspectos da morfologia animal — como os sentidos, a pele e a aparência — não existem unicamente para proteger as vísceras ou garantir a reprodução.
Ao contrário, ele sugeriu que a aparência externa e os rituais de acasalamento existem muito mais para manter a vitalidade da superfície, ou seja, para “aparecer”, do que para cumprir uma função evolutiva de sobrevivência. Essa perspectiva sugere que os animais não agem apenas para assegurar a perpetuação da espécie, mas também para se relacionar e se comunicar com os outros seres vivos, para “aparecerem” no mundo.
Portmann defendia que os impulsos animais não se limitam à reprodução ou à competição pela sobrevivência, e que os comportamentos de acasalamento, as cores e os rituais de várias espécies não têm como função única a preservação da espécie. O sexo, nesse contexto, se desvia da visão estritamente reprodutiva, propondo que ele serve para conectar seres vivos de forma mais ampla, facilitando o contato, o vínculo e a comunicação entre os organismos.
Este ponto de vista é revolucionário porque desafia a tese tradicional de que a única função do sexo é a reprodução. O funcionalismo da biologia tradicional, que afirma que todo comportamento tem uma razão direta de sobrevivência, parece ignorar a complexidade dos seres vivos, que agem também por impulsos de relação, interação e comunicação, muitas vezes sem uma explicação evolutiva óbvia ou necessária. O sexo, de acordo com Portmann, é uma expressão de contato e relação, uma forma de existir no mundo junto a outros seres vivos, e não meramente um mecanismo para perpetuar a espécie.
A abordagem reducionista da biologia tradicional, que vê o sexo como um simples processo biológico voltado à reprodução, ignora essa complexidade. Ao tentar forçar uma explicação única para tudo, os cientistas acabam simplificando demais as realidades da natureza. Essa visão limitada do sexo, profundamente enraizada em dogmas humanos sobre a sexualidade, reduz a experiência de seres vivos a um simples imperativo de sobrevivência. No entanto, a natureza é muito mais rica e multifacetada do que essa explicação simplista sugere.
Ao questionarmos essa visão restritiva do sexo, podemos abrir espaço para compreender o comportamento sexual e social dos animais de forma mais ampla e humanizada. O sexo, na visão de Portmann, é um impulso de interação entre seres vivos, um impulso para estabelecer conexões, não apenas um meio de perpetuar a espécie. Em seres humanos, essa relação se torna ainda mais complexa, à medida que nosso sistema nervoso central mais desenvolvido nos permite explorar dimensões de afeto, conexão emocional e comunicação que vão muito além da mera reprodução.