Estudos sem fundamentos claros

Li uma matéria sobre homossexualidade em insetos, onde cientistas ficam se digladiando para descobrir por que uma prática tão dispendiosa energeticamente seria aceita pela “evolução”. Um grupo usou a carta da seleção natural, dizendo que os machos estariam distraindo outros das fêmeas; um outro cientista, Kris Sales, da universidade britânica de East Anglia, disse que “descobriu” que na verdade os besouros que estudou não distinguiam bem visualmente os machos das fêmeas, e que tal “problema” não havia sido selecionado negativamente pela natureza ainda.

É tanta bobagem que sou obrigado a ler desses biólogos que chego a sentir vergonha alheia. É uma fixação tão grande da ciência positiva biológica pelo “funcionalismo”, acreditando que para tudo existe uma função e que a explicação para a existência das coisas se dá por essa função, que chega a ser engraçado ver como os cientistas se embananam para seguir a ferro e fogo esse dogma.

Mal sabem que um importante zoólogo chamado Adolf Portmann chegou a quebrar esse funcionalismo epistemológico em suas pesquisas sobre a morfologia dos vertebrados, mas infelizmente ele foi muito mais lido pelos filósofos e sociólogos do que pelos outros biólogos. Para Portmann, os sentidos animais, a pele, a aparência, não existem na natureza para proteger as vísceras ou para garantir reprodução da espécie, num imperativo evolucionista absoluto.

A existência natural não é serva ferrenha da seleção e da competição entre as espécies, nem da sobrevivência, e as vísceras existem muito mais para manter a vitalidade da aparência externa do que o contrário. Portmann na verdade repara muito bem como os rituais de acasalamento de várias espécies animais superam em muito qualquer necessidade de reprodução da espécie. Portmann diz que a única função desses rituais, das cores, das formas animais é meramente aparecer, e diz que todos os animais, dotados de sentidos, possuem um “impulso” para aparecer assim como têm o impulso de perceber o que aparece, e nada disso tem a ver necessariamente com funcionalismo evolucionista.

O sexo, como podemos pressupor, segue o mesmo princípio, seja qual for o nível de desenvolvimento do sistema nervoso central do animal em questão. De que a única função do sexo é reprodução e de que o sexo existe apenas pela manutenção da espécie é uma tese muito mal defendida. Na verdade é um tipo de dogma a priori da biologia que quase ninguém questiona sabe-se lá por quê.

No entanto, a natureza é farta em nos mostrar que o sexo extrapola em muito as necessidades reprodutivas e de manutenção de qualquer espécie, e que essa pressuposição restritiva e funcionalista do sexo é uma pura invenção humana.

O sexo existe muito mais para relacionar dois seres orgânicos do que para reproduzir. Ele existe porque há um impulso de contato, um impulso de relação entre dois organismos vivos. Pois seres orgânicos estão aí para se relacionarem, para aparecer, para perceber o que aparece, para serem vivos entre seres vivos, não para “manter a espécie”. E nos seres humanos, isso apenas adquire maior grau de complexidade na medida em que temos um sistema nervoso central mais desenvolvido.

A visão restritiva e funcionalista do sexo na biologia tradicional é muito mais resultado da restrição humana sobre seu próprio sexo do que um ensinamento da natureza.

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