Sobre a necropolítica da Covid-19

Quando autoridades públicas decidem seguir ou não as recomendações científicas prementes de quarentena, nenhuma está tomando decisões técnicas.

A decisão sobre a vida, sobre quem vai morrer, quando, quantos e como, é uma decisão política. Deixar morrer agora ou depois, sobrecarregar ou não o sistema de saúde, se preocupar com os profissionais e as populações vulneráveis são decisões políticas. Em outras palavras, envolve interesses e prioridades.

Qualquer médico sabe que a situação do Coronavírus é muito pior do que os números oficiais. Os hospitais estão abarrotados de pessoas com sintomas respiratórios, num surto sem precedentes. Engana-se o governo ao dizer que já enfrentamos coisa pior. Está apenas no começo e os dados oficiais obviamente são subestimados, uma vez que não fazemos teste de Covid-19 em todos.

E isso se dá primeiro porque de fato não precisa da sorologia para o tratamento em 90% dos casos. Segundo, porque não daríamos conta.

Sem medidas de isolamento social, um vírus novo contra o qual ninguém tem defesa imunológica se espalhará, sem exageros, por 80% da população mundial cedo ou tarde. O número de casos confirmados muito em breve passará a se restringir apenas aos casos graves internados.

Diariamente estão ocorrendo em cada hospital das capitais intubações orotraqueais de quadros atípicos de pneumonias intersticiais. As sorologias confirmatórias, que precisam ser duas, estão demorando 07 dias cada.

Obviamente que os reais casos de coronavírus no Brasil são dezenas de vezes maiores que os dados oficiais. Seja porque não testamos 90% dos casos, seja porque os graves ainda restam a confirmação. Ainda assim, mesmo pela curva grotescamente subestimada, nossas projeções atuais são piores do que a italiana.

Esse é o momento em que deveria ocorrer quarentena geral decretada pelo governo, porque voluntariamente não há pessoas em casa o suficiente.

Deve-se suspender cobranças de água, luz e gás, assim como de impostos aos pequenos comércios. Deve-se proibir todo e qualquer evento público, reduzir o transporte coletivo, com limite de passageiros, associada à distribuição de equipamentos de segurança.

Subsidiar profissionais autônomos pobres para terem alimentação em casa nas próximas semanas. Fundos de doações deveriam ser criados para os que mais vão sofrer com essa pandemia. Decisões técnicas sanitárias e de proteção econômica às famílias mais pobres e aos pequenos empreendimentos deveriam ser a norma.

No entanto, pouco disso está sendo feito remotamente parecido no Brasil. É uma das piores respostas internacionais ao Covid-19.

Recordo-me de uma vez quando o nosso atual presidente, ainda deputado, referiu-se à necessidade de novo golpe militar “para matar uns 30 mil” e que “tudo bem se morressem alguns inocentes”.

A decisão de deixar o surto se propagar para supostamente preservar a economia da inescapável recessão global é uma decisão necropolítica e irresponsável de deixar os brasileiros morrerem.

É subrepitilianamente se entregar à pandemia, chamada pelo presidente de “histeria”. Parafraseando a Janaina Paschoal, com a qual concordo inteiramente nesse ponto, em que pesem nossas diferenças, é homicídio doloso. Aliás, genocídio doloso.

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