O conceito de ética tem evoluído ao longo da história da filosofia, desde a antiguidade até os dias atuais, passando por diferentes correntes que buscam compreender o agir moral e suas implicações. Aristóteles, Kant, Marx, Zizek e outros pensadores influenciaram a forma como entendemos a moralidade, seja ela ligada à razão, à subjetividade ou ao contexto histórico. Neste texto, exploraremos como essas abordagens se aplicam ao contexto moderno e contemporâneo, especialmente em questões de ética na medicina e na relação com os outros.

A ética clássica de Aristóteles, exposta em sua obra Ética a Nicômaco, apresenta uma moralidade orientada pela razão e pela busca do bem supremo. Para Aristóteles, a virtude é alcançada através da prática constante e do exercício da prudência (phronesis), a fim de alcançar a excelência humana. A política, para ele, é a ciência do bem para o homem, sendo a ação ética um caminho para atingir o potencial máximo do ser humano. Esse modelo teleológico, em que a ética é voltada para a finalidade de alcançar a virtude, é o ponto de partida para muitas das reflexões subsequentes sobre moralidade.
Por outro lado, Immanuel Kant, influenciado pelos ideais da modernidade, propõe uma ética mais centrada na razão pura, em que a moralidade não depende de resultados externos, mas de um dever interno a ser cumprido. Para Kant, a ação ética não se submete a qualquer fim, mas é determinada pela Lei Moral universal, a qual deve ser seguida independentemente das consequências. O que interessa para Kant é o cumprimento do dever, que se torna um imperativo categórico, ou seja, algo que deve ser seguido por todos, sem exceções.
A transição entre essas duas concepções de ética é marcada pela crítica de Karl Marx ao idealismo filosófico. Marx, a partir de sua perspectiva materialista dialética, sustenta que a moralidade não pode ser dissociada das condições históricas e materiais em que o ser humano vive. A moralidade, para Marx, é produto da sociedade e das relações econômicas, refletindo os interesses e as dinâmicas de poder que estruturam o mundo. Assim, o comportamento ético está diretamente ligado à luta histórica e à transformação das condições materiais de vida, sendo, portanto, um reflexo da própria luta social.
Na era pós-moderna, a ética se torna ainda mais complexa. A crítica pós-estruturalista, representada por filósofos como Slavoj Žižek, desafia as visões tradicionais de moralidade e busca entender a ética como um processo que transcende a realidade objetiva. Para Žižek, a ética não é apenas um conjunto de normas a serem seguidas, mas um ato que visa transformar a realidade. Ele propõe que, ao agir eticamente, é possível alterar as coordenadas da realidade em que vivemos, criando novas formas de perceber e agir no mundo.
No contexto contemporâneo, essas discussões filosóficas se refletem em diversos campos, especialmente na medicina. A ética médica, longe de ser uma questão puramente técnica, envolve escolhas complexas que dizem respeito à liberdade, à autonomia e ao respeito pelo paciente. A medicina centrada na pessoa, por exemplo, enfatiza a importância de compreender o paciente como um ser único, com suas próprias experiências e subjetividades. A transparência e a comunicação clara dos prognósticos e diagnósticos, longe de serem simplesmente formas de garantir a adesão ao tratamento, são deveres éticos fundamentais, pois possibilitam a legitimidade da escolha do paciente.
No entanto, como já discutido, a ética médica não pode ser reduzida à busca pela aderência do paciente. A aderência é uma estratégia, uma ação que visa a um fim, mas não deve ser confundida com a moralidade, que é uma ação de respeito à autonomia e à liberdade de escolha. A verdadeira ética médica deve buscar o bem-estar do paciente, levando em consideração sua autonomia e suas necessidades subjetivas, mesmo que isso implique em um desvio das expectativas ou objetivos tradicionais.
Nesse sentido, a ética do médico deve transcender o simples cumprimento de protocolos ou a obtenção de resultados concretos, sendo, antes, um exercício de respeito e reconhecimento da subjetividade do paciente. Essa abordagem ética exige uma relação de confiança, em que o médico não apenas instrui, mas também escuta e compreende as preocupações do paciente, proporcionando-lhe a liberdade de tomar decisões informadas sobre sua saúde.
Em última análise, a ética no contexto contemporâneo não se trata de seguir rígidas normas externas ou de flexibilizar a moralidade para se adaptar às conveniências do momento. Trata-se de um processo dinâmico e complexo, em que as ações devem ser guiadas pela razão, mas também pela compreensão da subjetividade e das condições históricas e sociais em que estamos inseridos. A verdadeira ética, como propõem Zizek e outros pensadores, não é aquela que busca resolver problemas de maneira imediata, mas aquela que, ao agir com respeito à liberdade e à autonomia, transforma a realidade e cria novas possibilidades de convivência e compreensão mútua.
A ética, assim, se torna um caminho para a transformação da realidade, seja no campo filosófico ou no campo prático, como o da medicina. A capacidade de agir de forma ética, respeitando a liberdade e as subjetividades, permite não apenas um mundo mais justo, mas também uma sociedade mais humana e solidária. Em tempos de incertezas e desafios, a reflexão ética continua a ser um dos pilares fundamentais para a construção de um futuro mais equilibrado e responsável.

Em “Ética a Nicômaco”, Aristóteles, desde o enceto literário em como “a política é a ciência do bem para o homem”, professa o caráter teleológico da atividade ética, cuja finalidade seria a virtude do ser enquanto existente e o estabelecimento da prudência (phronesis) para a plena qualidade de σωφροσύνη (Sofrósine)(1).
Contudo, influenciado pelos pensamentos racionalistas do início da era moderna, entre eles Spinoza, Kant propõe que a atividade ética, a Moral, basta em si em função da Razão Pura Prática, podendo, em prol do dever, abstrair-se de todos os fins (2) .
O aparente paradoxo se revela como avanço a partir da assunção filosófica de que o ser humano tem a capacidade de emanar o senso de justiça a partir de si mesmo, intrinsecamente per se, não dependendo da sociedade para lhe proporcionar os subsídios morais necessários à percepção.
Essa perspectiva, entretanto, foi invertida nas análises críticas feuerbachianas, nas quais o material tornou-se o precedente da condição humana. A partir deste, todos os homens teriam suas concepções intelectuais influenciadas, sendo meros produtos da sociedade e da moral predominante e historicamente construída.