Reflexões sobre o impacto cultural, político e histórico do filme de Kleber Mendonça Filho.
Sinto-me minúsculo diante da grandiosidade de Bacurau, uma obra visceral que ressignifica as relações de poder e os enfrentamentos históricos entre o nordeste e o sudeste do Brasil, e também entre os Estados Unidos e o Brasil. Kleber Mendonça Filho, com maestria, entrega um manifesto político e cultural que transcende as telas e alcança as profundezas das contradições imperialistas e neoliberais, abordando o Sertão não apenas como cenário de ficção, mas como um lugar de resistência histórica. O filme tem uma envergadura crítica internacional, sendo um retrato das tensões entre mundos antagônicos.
Bacurau se coloca como um recontar da História, mas sob uma ótica de justiça sertaneja, uma narrativa que se afasta do conformismo e desafia a ideia do que é considerado justo. De certa forma, essa justiça lembraria as emoções provocadas pelos filmes de Tarantino, mas Bacurau vai além. O filme executa uma antropofagia de tamanha profundidade que faz com que a obra de Tarantino pareça um mero rascunho, comparada ao que Kleber Mendonça Filho construiu.
A representação da realidade nordestina em Bacurau é de tal magnitude que sua catarse não pode ser traduzida. A simbologia do filme é uma imersão no imaginário coletivo do Brasil, que só os brasileiros, e principalmente os nordestinos, poderão compreender na sua totalidade. A obra é tão misteriosa e profunda quanto Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e, sem dúvida, uma das maiores produções cinematográficas do mundo.
Com uma narrativa que abarca desde o massacre de Altamira até a luta de Marielle, do jagunço ao quilombo, passando pela luta contra o racismo e a corrupção, Bacurau expõe as contradições da nossa realidade distópica e, ao mesmo tempo, propõe uma reconciliação crítica. O filme denuncia, de forma corajosa e implacável, o atual contexto político e histórico do Brasil.
Embora eu não seja nordestino, mas sim paulistano, reconheço minha posição dentro de uma sociedade que carrega o peso do racismo e da opressão. No entanto, peço licença para me somar à luta do nordeste, com todo respeito à sua dignidade e grandeza. Bacurau não é apenas um filme; é uma poderosa arma de reflexão sobre o Brasil, um filme imprescindível para entender as complexas realidades que nos envolvem.