Amor verdadeiro em tempos de festança

Em tempos de amores líquidos e carnaval, quero falar um pouco sobre o “Alethos Eros”, o amor verdadeiro, ou Amor com A maiúsculo, segundo a tradição platônica, e disso tirar quatro ensinamentos.

É muito comum as pessoas hoje em dia, mesmo nas escolas, ensinarem sobre o Amor de Platão como uma forma idealizada e irreal de sentimento, algo “romântico”, confundido com o amor vitoriano do século XIX, fruto da imaginação, opressor e fictício. Mas não tem muito a ver. Ou pelo menos não num sentido profundo. O Amor Verdadeiro em Platão é um amor prático, mas profundamente voltado à dignidade humana.

Cabe dizer que, se há amor verdadeiro, há amor falso, e que este amor na tradição grega não é um não-amor, mas apenas uma forma menor de amor. Portanto, há uma qualificação do amor, e sua hierarquia é determinada nada mais nada menos que pelo grau de dignidade que proporciona. A dignidade, desse modo, não vem do estatuto do amor, mas do estatuto da verdade; e era buscando esse patamar que Platão cunhou o termo Amor Verdadeiro (Alethos Eros).

Simbologia do amor. | Foto: Banco de imagens

O objetivo era trazer os elementos da Verdade, para o Amor; e para isso antes se precisava entender a natureza da verdade, isto é, quais os atributos necessários para que algo fosse classificado como verdadeiro. Não cabe aqui, entretanto, trazer toda a genealogia do termo “aletheia”, mas é possível resumir, em Foucault, de forma muito simplificada e esquemática quatro significados fundamentais do que é verdadeiro.

Em suas aulas sobre “A Coragem da Verdade”, de 7 de Março de 1984:

1) Algo é verdadeiro, em primeiro lugar, porque não é oculto, porque não dissimula. Esse significado vem do próprio termo a-letheia, que é o que é oferecido ao olhar em sua totalidade, que é completamente visível e nenhuma parte se encontra velada ou furtada. É algo que pode ser conferido por completo e não tem nada a esconder.

2) O segundo significado daquilo que é verdadeiro é aquilo que não tem mistura, que é puro, e não possui adição de nada que lhe seja exterior e estranho. O verdadeiro se basta e não é confundido. Se por um lado ele não oculta nada de sua natureza, por outro tem sua natureza perfeitamente identificável e separável, sem máculas.

3) O terceiro significado de “aletheia” é aquilo que é reto, que não tem dobras, que expressa retidão em seu decorrer, sem desvios ou rupturas. Evidentemente que a retidão deriva do que não dissimula e não tem mistura, mas a conduta reta, neste caso, é o foco do terceiro significado.

4) E o quarto, e mais expressivo, sentido de “aletheia” é o que se mantém além de toda mudança, o que é incorruptível e que resiste ao mundo e suas transformações. Essa verdade que não dissimula, que não se mistura e que é reta consegue manter sua identidade diante de todas as adversidades, e exatamente por isso denuncia que é reta, que é pura e que não dissimula.

A partir desse esquema, fica fácil entender o que é o amor verdadeiro: o Alethos Eros, em primeiro lugar, é um amor que não se oculta, que não se esconde nas sombras, que faz questão de ser visto e testemunhado pela comunidade, pelos amigos, pela família. Ele é um amor que exige os olhares para se provar, pois, é um amor que se declara e faz promessas.

Imagem: Capuski/Getty Images

Portanto, ensinamento 1: não namore alguém que não o assume, não namore alguém que hesita em aparecer com você ou que tem “vergonha” de mostrar afeto por você.

Em segundo lugar, o amor verdadeiro é um amor sem mistura, um amor que não tem segundos interesses, que não olha para elementos externos ao amor para existir. O amor verdadeiro não tem critério, não tem condição, não mistura fetiche com sentimento. Ele ama e esse amor é puramente identificável.

Portanto, ensinamento 2: não namore alguém que só gosta de você se você tiver coisas a oferecer e que nos momentos difíceis desiste de você.

Em terceiro lugar, o amor verdadeiro é um amor com retidão. Não apenas no sentido de que ele não faz nada errado aos olhos da razão, mas que não desvia de seu percurso. Ele não oscila, não varia conforme a fase da lua, tampouco conforme os reveses da vida. Ele continua reto e seu percurso linear. Por isso, ensinamento 3: não namore alguém que um dia está bem e no outro “nem tanto”.

E por fim, o amor verdadeiro é um amor que não sofre mudanças do devir. É um amor que resiste às adversidades, que aguenta dias ruins e que mantém sua promessa; que após um sofrimento, uma doença, ou uma fase ruim no trabalho sabe que se manterá intacto, pois é um sentimento que remanesce e que mediante os problemas apenas é depurado.

Por isso, ensinamento 4: não namore alguém que por qualquer problema já quer abandonar você.

Como havia dito, esses elementos da aletheia aplicados ao amor por Platão são elementos da dignidade humana. Elementos que sumarizam a promessa, o compromisso, a consideração, o respeito e a verdade, tendo um pé entre o público e o privado; mas não para simplesmente aparecer, e sim para zelar pelo sentimento. Em todo caso, ele exige esforço, pois, ele se prova. Não é um sentimento natural, tampouco espontâneo. Ele se constrói na prática, como ação.

Portanto, ensinamento final: não namore alguém que não se esforça sequer para ver você, quiçá para te amar verdadeiramente.

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