Bolsonaro e a obediência absoluta: a ameaça de uma liderança autoritária

Ao tomar decisões arbitrárias, como a compra da vacina Coronavac e a exigência de obediência absoluta de seus ministros, Bolsonaro se aproxima de um modelo de liderança totalitária que destoa dos princípios democráticos, colocando em risco a autonomia dos seus assessores e desrespeitando o debate público e a racionalidade.

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro fez uma reviravolta em sua postura sobre a vacinação contra a Covid-19, decidindo pela compra da vacina Coronavac, produzida em parceria com o Instituto Butantan. No entanto, a mudança de opinião parecia mais um devaneio repentino, fruto de um momento de impulso, e não de uma decisão fundamentada em dados científicos ou análises racionais. A aquisição dessa vacina, antes desacreditada pelo presidente, foi decidida de maneira abrupta e sem explicação plausível. Dias antes, ele havia tomado uma atitude completamente irracional ao obrigar o ministro da Saúde, um general de idade avançada, a reformular toda a política de vacinação estabelecida até aquele momento. Esse gesto autoritário culminou em um vídeo constrangedor, no qual o ministro foi forçado a dizer que “uns mandam e outros obedecem”, com Bolsonaro ao seu lado, olhando e avaliando o cumprimento da ordem.

Em um ambiente de trabalho comum, tal atitude seria considerada abusiva e prejudicial ao desempenho da equipe. Um chefe que toma decisões arbitrárias e sem fundamento, e ainda exige que seus subordinados comecem do zero a execução de suas tarefas, representa uma liderança ineficaz e prejudicial. Trabalhadores geralmente sabem como lidar com esse tipo de chefe, normalmente arrogante, que não apenas impede o bom funcionamento das tarefas, mas também mina a autonomia e a confiança de sua equipe. Esses líderes são classificados como maus chefes e, no contexto de uma empresa, suas ações são amplamente criticadas. No entanto, no caso de uma administração pública, esse tipo de comportamento assume proporções ainda mais graves, pois a política exige uma dinâmica diferente de uma organização privada.

A política, ao contrário de uma empresa, é um campo aberto ao diálogo, ao contraditório e à pluralidade de ideias. Ministros, como membros do governo, têm o papel de aconselhar o presidente e colaborar na implementação de políticas públicas, com autonomia dentro de suas respectivas pastas. A exigência de obediência cega, especialmente em questões tão sensíveis como a saúde pública, é incompatível com os princípios democráticos que devem reger qualquer governo. A autonomia de decisão e o espaço para a livre discussão são pilares essenciais para a tomada de decisões informadas e racionais, principalmente em um contexto de crise, como a pandemia.

Quando a liderança política se aproxima de um modelo de governança que exige demonstrações de lealdade absoluta e obediência sem questionamentos, ela começa a caminhar para um regime totalitário, independentemente do contexto. A obediência cega, como uma ferramenta de controle, é característica de regimes que buscam restringir a liberdade de pensamento e a pluralidade de opiniões, favorecendo uma única voz e uma única visão de mundo. Essa liderança autoritária pode ser observada em exemplos históricos de regimes totalitários, como o de Hitler na Alemanha nazista e Stalin na União Soviética.

A filósofa política Hannah Arendt descreveu o funcionamento desses regimes totalitários, destacando que, para que o movimento totalitário se mantenha em curso, o líder deve tomar decisões progressivamente mais irracionais e arbitrárias. Essas atitudes visam sustentar a ilusão de um movimento contínuo e imparável, que não pode parar ou regredir, sob pena de desmoronar. O líder alimenta o movimento por meio de decisões cada vez mais contraditórias e desprovidas de lógica, desafiando seus seguidores a se submeterem a essas ordens sem questionar.

O método não é apenas a obediência cega, mas a obediência a contragosto, mesmo quando se reconhece o erro da decisão. A lealdade exigida é, portanto, uma forma de subordinação que vai além do simples cumprimento de ordens, transformando-se em um sacrifício da razão e da ética. Essa dinâmica cria um ambiente onde os subordinados são forçados a aceitar as ordens mais absurdas, sacrificando seu próprio juízo e sua moralidade para agradar o líder e garantir sua sobrevivência política dentro do regime.

Bolsonaro parece estar imitando essa característica de liderança totalitária em seu governo. Em seu egocentrismo e vaidade, ele constantemente testa a capacidade de seus ministros e generais de obedecerem a ordens arbitrárias, mesmo quando estas são claramente prejudiciais ou irracionais. Sua postura em relação à pandemia e a gestão da saúde pública é marcada por constantes mudanças de posicionamento e decisões erráticas, como a própria compra da vacina Coronavac. Em vez de adotar uma postura responsável e fundamentada, ele prefere tomar decisões impensadas e exigir que todos se submetam a elas sem questionar.

Além disso, Bolsonaro tem se mostrado cada vez mais disposto a tratar os ministros como simples subordinados, desprovidos de autonomia e capacidade de pensamento crítico. Ele parece querer emular líderes autoritários do passado, como Stalin, e se aproxima de uma dinâmica de poder que busca o controle absoluto, sem qualquer espaço para divergência. Essa atitude, embora em um contexto democrático, representa um perigo para a governança responsável e para o funcionamento saudável das instituições públicas.

Essa postura de liderança, baseada na lealdade irrestrita e na obediência cega, não apenas compromete a eficácia da gestão pública, mas também enfraquece as bases da democracia. O questionamento e o debate são elementos essenciais para o fortalecimento de qualquer governo, e quando esses aspectos são suprimidos, como ocorre sob regimes autoritários, a liberdade de expressão e o direito à divergência ficam em risco. A verdadeira liderança democrática deve ser fundamentada na capacidade de ouvir, de dialogar e de respeitar a autonomia dos seus ministros e colaboradores, e não na imposição de ordens irracionais e arbitrárias.

Bolsonaro, ao exigir obediência incondicional de seus subordinados, ao mesmo tempo que se submete a uma dinâmica de liderança autoritária, está afastando-se dos princípios democráticos que sustentam a confiança da população nas instituições governamentais. Essa tendência, embora ainda distante de um regime ditatorial completo, acende um alerta para o futuro da política no Brasil, caso essa postura continue sendo fortalecida.

Ao seguir esse caminho, Bolsonaro não só enfraquece a gestão pública e a autonomia de seus ministros, como também coloca em risco os valores fundamentais que sustentam a democracia. O preço da obediência cega e da falta de questionamento será o comprometimento da liberdade e da racionalidade nas decisões políticas.

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