Uma mudança importante para a legitimação das identidades trans na medicina
Durante décadas, as identidades trans foram patologizadas, sendo classificadas em categorias como “transexualismo” (F64.0), “travestismo bivalente” (F64.1) e “travestismo fetichista” (F65.1) no sistema de diagnóstico médico. Esses termos refletiam uma cisnormatividade profundamente enraizada na prática médica, tratando as identidades não cis-referenciadas, como as travestis, de forma marginalizada e errônea. Essa visão reduzia as identidades de pessoas trans a uma condição que necessitava ser “corrigida” ou tratada, em vez de ser reconhecida e respeitada em sua diversidade.
A denominação de “travestismo” como “bivalente” ou “fetichista” tinha como principal objetivo deslegitimar as identidades de travestis, tratando-as como algo intermediário entre a cisgeneridade e a transgeneridade. Esse conceito era fortemente influenciado por uma visão patologizante e colonizadora que não dava espaço para que as travestis se afirmassem como uma identidade legítima, mas, sim, as colocava como uma fase ou transição para outra condição. A mudança de entendimento que estamos observando é um avanço essencial para a comunidade trans e travesti.
No dia 18 de junho de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um movimento crucial ao atualizar o CID, abandonando as descrições anteriores e introduzindo uma nova classificação mais ampla e inclusiva. O novo diagnóstico agora é caracterizado pela incongruência de gênero, referindo-se à diferença persistente e significativa entre o sexo atribuído ao nascimento e o sexo com o qual a pessoa se identifica. Essa mudança não faz mais referência a comportamentos variantes de gênero ou preferências sexuais como base para diagnósticos, reconhecendo que essas variabilidades não devem ser patologizadas.
O novo entendimento da medicina sobre as questões trans visa, portanto, despatologizar essas identidades, tratando-as de maneira neutra e respeitosa. A designação agora é mais simples e sem especificações arbitrárias, refletindo um avanço significativo para o reconhecimento das pessoas trans na medicina. Essa mudança não só representa uma melhoria no tratamento e cuidado, mas também uma conquista para as pessoas trans e travestis que, até então, eram marginalizadas e deslegitimadas pela visão médica tradicional.
Esse avanço é uma demonstração clara de que a medicina está progressivamente se alinhando com as demandas de respeito à diversidade de gênero, afastando-se de classificações hierárquicas e colonizadoras que apenas reforçavam preconceitos e estigmas. O simples reconhecimento da incongruência de gênero como uma característica legítima das pessoas trans é uma vitória importante para o movimento de direitos humanos e para a construção de uma sociedade mais inclusiva e acolhedora.