O fenômeno da autoverdade e da pós-verdade revela, de forma crua, um lado obscuro da humanidade, com consequências que nos desafiam a repensar nossa sociedade e nossos valores.
O fenômeno da pós-verdade e da autoverdade, impulsionado pela disseminação de mentiras em massa e pela crescente adesão de grupos a figuras como Trump e Bolsonaro, não revela apenas a falácia da comunicação moderna. Mais do que isso, revela uma verdade mais profunda e essencial: a brutalidade interior que muitos escondem, até então velada pelo politicamente correto. A máscara do bom comportamento, que por tanto tempo foi vista como uma barreira contra o que há de pior no ser humano, caiu. Agora, com a ascensão de figuras políticas como Trump e Bolsonaro, a verdadeira face do ódio, da intolerância e da violência aparece nua, sem as cortinas de civilidade que antes escondiam suas sombras.
Esse fenômeno não é distante ou isolado. Ele está ao nosso redor. Ele faz parte da nossa realidade, de nossas famílias, de nossas comunidades. Trump e Bolsonaro não são meros manipuladores da opinião pública. Eles são reflexos de um sentimento crescente e perverso que já existia nas profundezas da sociedade. Eles não criaram essa realidade, mas a trouxeram à tona, permitindo que os mais obscuros desejos e medos aflorassem sem receios. Esse fenômeno escancara uma verdade que muitos se recusam a enfrentar: a brutalidade, a ignorância e a violência estão profundamente enraizadas nas relações sociais, e essa monstruosidade, antes disfarçada, agora se torna visível e acessível.
O mais assustador é que esse tipo de mentalidade não é composto por um grupo isolado ou distante. Ele se reflete em nossas próprias esferas de convivência. Aquelas pessoas que antes eram “educadas” e polidas agora revelam suas facetas mais cruéis, se rendendo à onda de populismo, autoritarismo e medo que essas figuras políticas representam. Eles se tornam seguidores dispostos a invadir o Capitólio, a atacar o Congresso, a ameaçar instituições democráticas com a mesma naturalidade com que se levantam todas as manhãs para suas rotinas diárias. Essa violência e agressividade não são exceções; são manifestações explícitas de um sistema político e social corrompido por interesses egoístas e divisivos.
O desafio é paralisante. A simples aceitação da realidade – a percepção de que a brutalidade humana está mais próxima do que imaginávamos – é aterradora. Muitos preferem a negação a lidar com a dura verdade de que essas forças não são criadas de fora para dentro, mas nas profundezas do próprio ser humano, algo que não pode ser facilmente apagado ou silenciado. Por mais doloroso que seja, precisamos encarar de frente essa nova realidade e descobrir, a partir dela, como sobreviver, como proteger o que resta de nossa humanidade e como reconstruir os valores que verdadeiramente nos unem, não com base em mentiras ou fantasias, mas com a coragem de enfrentar nossa própria natureza e, quem sabe, transcendê-la.
Essa crise de valores, embora angustiante, também pode ser uma oportunidade de reflexão e transformação. Podemos escolher como reagir a essa descoberta: através da negação, do medo ou, mais radicalmente, da ação consciente para restaurar uma sociedade mais justa, mais empática e menos polarizada.