Enquanto a pandemia do novo coronavírus trouxe consequências físicas devastadoras, ela também expôs as feridas sociais e emocionais que permanecem, muitas vezes invisíveis e mais difíceis de tratar.
A pandemia da Covid-19 fez com que o mundo fosse virado de cabeça para baixo, levando sistemas econômicos e de saúde ao colapso, revelando a desigualdade social e as fragilidades das estruturas governamentais, religiosas e econômicas. O número de mortos e infectados não é o único reflexo da tragédia. Há um efeito silencioso, uma ferida profunda, que permanece mesmo após a superação da doença física: a morte interior de muitas pessoas. Como um câncer invisível, essa dor emocional não pode ser diagnosticada por exames médicos, mas é uma realidade muito presente. Quem sobreviveu à Covid-19 pode, paradoxalmente, carregar dentro de si um vazio existencial difícil de curar.
Em meio ao caos e à angústia de buscar respostas, a sociedade se viu envolta em teorias conspiratórias, lendas urbanas e especulações sem fundamento. O desespero pela falta de explicações levou muitos a se perderem em palpites e conjecturas, em um cenário onde o discernimento e o pensamento crítico pareciam escassos. No entanto, poucas pessoas têm parado para refletir sobre a negligência humana em relação à natureza e às necessidades básicas da população, negligência essa que já perdura há séculos. A pandemia, ao invés de ensinar lições de solidariedade, parece ter acentuado as falhas e erros históricos.
Ao longo do ano de 2020, a sociedade se distanciou ainda mais de sua espiritualidade e dos valores essenciais que não podem ser comprados, como a empatia e o cuidado com o outro. A materialidade tomou o lugar do que é mais profundo e significativo, e o consumismo tornou-se o motor de nossas ações. A busca incessante pelo consumo e pela acumulação de bens se sobrepôs às necessidades humanas genuínas, criando um abismo entre os valores que realmente importam e aqueles que nos são impostos pelo sistema econômico. O distanciamento da natureza e dos animais também se tornou visível, com muitos preferindo jardins artificiais e animais de estimação a um contato genuíno com o meio ambiente.
A falta de autoconhecimento e a indiferença pelo outro se aprofundaram. O olhar para o outro, a empatia, o desejo de cuidar e proteger, ficaram em segundo plano, enquanto a satisfação pessoal passou a ser a prioridade. O egoísmo se intensificou, e a incapacidade de perceber o sofrimento alheio tornou-se uma característica comum. Isso dificultou a percepção dos danos causados ao meio ambiente, como o desmatamento da Amazônia, e também a compreensão de como as ações individuais podem ser prejudiciais ao todo. O foco no “eu” e a indiferença pelo coletivo tornaram-se a norma.
A sociedade brasileira, em particular, tem se mostrado cada vez mais insensível ao sofrimento coletivo. Com mais de 120 mil mortos pela pandemia no Brasil, muitos continuam a minimizar a gravidade da situação, em nome da manutenção da economia. A falta de uma gestão adequada dos recursos públicos, a má alocação de verbas e os cortes de gastos essenciais agravam ainda mais o cenário. Quando se passa a questionar o valor de uma vida em comparação a outra, a humanidade já está em um caminho perigoso, que se afasta daquilo que realmente importa.
Nada será como antes, e a pandemia expôs, sem filtro, o verdadeiro caráter de muitas pessoas. Quem não evoluir com essa crise, dificilmente o fará em outra ocasião. No entanto, em vez de reflexão e aprendizado, o que se observa é um endurecimento emocional, uma crescente polarização e um distanciamento ainda maior entre as pessoas. O isolamento social não foi apenas físico, mas também psicológico e emocional.
O Brasil enfrenta uma crise profunda não apenas de saúde pública, mas de valores e princípios. Além das incertezas trazidas pela pandemia, a tortura psicológica causada pela fanatismo político e ideológico se tornou um dos maiores desafios. A postura do presidente e o apoio a atitudes que incitam a violência e a barbárie são reflexos de uma sociedade que perdeu o rumo, em que a polarização política e o discurso de ódio predominam. O Brasil está em uma encruzilhada, e a reconstrução, se acontecer, dependerá da capacidade de refletir e repensar o que realmente importa.
Estamos lidando com uma crise de identidade, não apenas sanitária, mas existencial, em que muitos se veem perdidos, incapazes de encontrar respostas ou direção. Se o Brasil quiser se reerguer, será necessário mais do que combater o vírus físico. Será preciso também curar as feridas emocionais, sociais e espirituais que a pandemia escancarou. Caso contrário, o país permanecerá “acabado”, como foi descrito, não por causa da doença, mas pela incapacidade de aprender com ela.