As pandemias, embora momentaneamente contenham sua expansão, continuam a ser uma realidade cíclica. O coronavírus foi apenas uma das muitas batalhas que a humanidade enfrentará ao longo da história, com novas doenças surgindo e provocando novos desafios para a saúde pública mundial.
O coronavírus, que emergiu no início de 2020, é mais uma das muitas pandemias que a humanidade já enfrentou ao longo de sua trajetória. Assim como a gripe espanhola de 1918, o SARS-CoV-2 chegou de forma repentina, trazendo consigo uma nova ameaça global. A cada pandemia, os seres humanos se veem em uma batalha constante contra o desconhecido, sem a proteção natural proporcionada pelos anticorpos específicos para lidar com o agente causador da doença. No entanto, o que muitos não percebem é que essa não será a última pandemia a afetar o mundo, e estamos apenas aguardando a próxima, que trará novos desafios à saúde mundial.
A gripe espanhola, que se espalhou pelo mundo no final da Primeira Guerra Mundial, foi uma das pandemias mais devastadoras da história moderna. A doença, originária de Wuhan, China, se espalhou rapidamente para os países vizinhos, como Japão e Coreia do Sul, e logo tomou proporções globais. Assim como o coronavírus, a gripe espanhola trouxe consigo uma enorme taxa de mortalidade, com estimativas de mortes variando entre 20 e 100 milhões de pessoas, especialmente em países em desenvolvimento, onde a divulgação de informações era limitada.
A gripe espanhola foi nomeada de diferentes formas ao redor do mundo, como “mal das trincheiras” e “catarro russo”, refletindo as diversas realidades culturais e históricas dos países afetados. A grande diferença em relação à pandemia atual foi o meio de transporte utilizado na época. Os deslocamentos eram feitos por via marítima, o que levava dias ou até semanas para a doença chegar a novos destinos, ao contrário da velocidade com que o coronavírus se espalhou graças ao transporte aéreo e à globalização. Mesmo com esse atraso nos deslocamentos, a pandemia de 1918 se espalhou com uma rapidez alarmante, mostrando que, independentemente das circunstâncias, as pandemias não respeitam fronteiras.
O H1N1, que causou outra pandemia em 2009, foi uma versão mais agressiva da gripe comum, mas ainda assim não se comparou à intensidade da gripe espanhola. Ela foi 25 vezes mais forte que as gripes comuns e, como o coronavírus, exigiu a implementação de medidas de saúde pública para controlar sua propagação. Embora os números de mortalidade ainda sejam imprecisos, sabe-se que a gripe espanhola afetou fortemente a população jovem e saudável, entre 20 e 40 anos, o que chocou as autoridades sanitárias da época. A taxa de letalidade, incomum para pandemias, atingiu principalmente as crianças de cinco anos e os idosos, mas também afetou de maneira desproporcional os jovens adultos, um dado que fez com que a pandemia fosse ainda mais impressionante e trágica.
Essa característica peculiar das pandemias, em que elas afetam populações de idades e condições de saúde inesperadas, levanta questões sobre a natureza das doenças infecciosas e como elas podem impactar a sociedade de maneiras diversas. Além disso, coloca em evidência a necessidade de constantes estudos e preparação para o futuro, com o objetivo de minimizar os danos causados pelas doenças que estão por vir. O futuro da humanidade, no entanto, continuará sendo marcado por esses ciclos, nos quais novos vírus e bactérias surgem, forçando-nos a enfrentar novas batalhas contra a saúde pública.
Em meio a esse cenário, a reflexão sobre o que aprendemos com o passado se torna essencial para garantir que estamos mais preparados para o futuro. A pandemia de coronavírus, assim como a gripe espanhola e outras crises de saúde, nos ensina sobre a importância da cooperação global, da transparência nas informações e, principalmente, da adaptação a novas realidades. Não podemos prever com exatidão o que virá, mas podemos aprender com os erros e acertos do passado para tornar o futuro mais seguro para todos.

O Ciclo das Epidemias e as Lições da História
Ao refletirmos sobre o impacto das pandemias na história da humanidade, é impossível não notar os padrões recorrentes de disseminação e os desafios enfrentados pelas sociedades. O cenário atual da pandemia de Covid-19, embora único, carrega semelhanças com crises anteriores, como a gripe espanhola de 1918, cujas lições são valiosas para o momento que vivemos.
Após a onda inicial de mortes causada pela pandemia de coronavírus, com sintomas de febre alta e forte gripe, a letalidade caiu temporariamente. Porém, assim como na gripe espanhola de 1918, o vírus ressurgiu com força em duas levas, após um breve período de relativa calma. Esse ressurgimento da doença é um fenômeno comum em epidemias, em que o patógeno se adapta e retorna com maior intensidade, causando novos efeitos devastadores. No caso da gripe espanhola, a letalidade era de aproximadamente 2,5%, um número inferior à taxa de mortalidade do coronavírus, que atualmente é de 3,74%, mas ambos compartilham a alta velocidade de transmissão e os efeitos globais.
O comportamento do vírus, com sua transmissão rápida e a manifestação de sintomas graves, levou as autoridades da época a adotarem medidas semelhantes às atuais, como o isolamento social, a evitação de aglomerações e a recomendação de evitar atividades físicas intensas. Assim como hoje, quando há um caso suspeito de contágio, a prioridade é o isolamento imediato para evitar a propagação do vírus. A semelhança entre os sintomas das duas pandemias também é notável: febre alta, dificuldade respiratória grave, e uma dor intensa pelo corpo, com os pulmões se enchendo de líquido, comprometendo a circulação sanguínea e levando à morte súbita devido à falta de oxigenação.
A gripe espanhola, apesar de ser menos letal do que o coronavírus, foi marcada por uma alta mortalidade entre a população jovem e saudável, algo que chocou as autoridades médicas da época. Com os pulmões comprometidos e a pele escurecendo devido à falta de oxigenação, os enfermos eram tomados por um sofrimento agudo até a morte, um sofrimento que, apesar de ser ainda mais difícil de suportar, se assemelha às dores enfrentadas por muitas vítimas do Covid-19.
A dificuldade de escapar das epidemias de gripe é uma constante na história humana, com registros de surtos no continente europeu desde 1580. Em 1742, a pandemia foi batizada de “influenza”, e, décadas depois, surtos significativos ocorreram em 1782 e 1799. No século XIX, quatro grandes epidemias de gripe atingiram o mundo, com destaque para a de 1889, que se originou na Ásia e se espalhou rapidamente pela Europa, América e África, deixando a Austrália como exceção. A história das pandemias de gripe parece seguir um padrão de surto, disseminação e controle, com variações na intensidade e letalidade.
Após a gripe espanhola, o mundo enfrentou uma série de epidemias de gripe e doenças respiratórias, incluindo o H1N1 (gripe suína) em 1957, o surto de SARS entre 2002 e 2004, o retorno do H1N1 em 2009 e o MERS em 2012. Cada uma dessas epidemias gerou respostas semelhantes das autoridades, como o fechamento de fronteiras, o isolamento de casos suspeitos e campanhas de vacinação em massa. Porém, com a chegada do século XXI, as epidemias perderam força, até o surgimento da atual pandemia de Covid-19, que trouxe novos desafios devido à sua rápida disseminação e às incertezas sobre o comportamento do vírus.
Chegada da Gripe Espanhola ao Brasil
A pandemia de 1918 não poupou o Brasil, e a perda do presidente da República, Rodrigues Alves, devido à gripe espanhola, marcou um momento triste da história política do país. Rodrigues Alves não pôde tomar posse do cargo em 15 de novembro de 1918, e foi substituído pelo vice-presidente Delfin Moreira. No entanto, o falecimento de Rodrigues Alves em janeiro de 1919 levou Delfin Moreira a assumir interinamente o cargo até que novas eleições fossem realizadas. A crise política causada pela pandemia se somou à tragédia de saúde pública que assolou o país, tornando o Brasil mais uma vítima do ciclo devastador das epidemias.
A história nos ensina que as pandemias, embora causadoras de sofrimento e perda, também geram transformações nas estruturas sociais, políticas e econômicas. O reflexo dessas crises nos alertas de saúde pública e na organização das políticas de saúde é um fenômeno recorrente, e as lições do passado são essenciais para garantir que estejamos mais preparados para os desafios que o futuro nos reserva. Ao olhar para o que enfrentamos agora, podemos aprender com a experiência de nossos antepassados e buscar soluções mais eficazes e humanitárias para combater as pandemias e proteger as gerações futuras.

A Gripe Espanhola no Brasil: Uma Catástrofe Social e Sanitária
O impacto da gripe espanhola no Brasil, especialmente nos estados mais afetados, como o Rio de Janeiro, foi devastador. Apelidada de “puxa-puxa” em algumas regiões, a doença causou uma série de complicações não só no campo da saúde, mas também na economia e nas estruturas sociais, refletindo um período de extrema vulnerabilidade para a população brasileira.
A gripe espanhola, que levou à morte cerca de 35 mil pessoas no país, teve seus números de mortalidade subestimados devido à falta de registros confiáveis, especialmente fora dos grandes centros urbanos. A doença afetou amplamente a população, com a recomendação das autoridades de evitar aglomerações, repouso e o isolamento social como principais medidas de controle. A assistência médica, limitada e sobrecarregada, só era chamada em casos graves, o que dificultou o atendimento adequado de muitos pacientes.
Na ausência de produtos como o álcool gel, utilizado hoje como uma medida de proteção contra vírus, as pessoas recorriam a alternativas improvisadas, como a vaselina mentolada e infusões feitas com folhas de goiabeira, práticas que tentavam aliviar os sintomas da doença. Enquanto isso, o fechamento do comércio e das instituições públicas e privadas congelou a economia. Os dados econômicos do período de 1918 e 1919, como o Produto Interno Bruto (PIB), não refletem a crise, que teve um impacto profundo na produção e no comércio, deixando muitas empresas e trabalhadores em uma situação de falência ou inatividade.
Em cidades como Curitiba, no Paraná, com 78 mil habitantes na época, a epidemia contaminou cerca de 45 mil pessoas, com uma taxa de letalidade de 0,84% entre outubro e dezembro de 1918. Mesmo com as medidas restritivas, o sistema de saúde entrou em colapso, com hospitais superlotados e a escassez de médicos, que também foram vítimas do contágio. A falta de profissionais de saúde comprometeu ainda mais o atendimento, agravando a situação dos doentes.
Com a ausência de serviços públicos essenciais e o fechamento das lojas, muitas cidades ficaram com suas portas fechadas e a economia paralisada. A escassez de mercadorias gerou dificuldades para empresários e comerciantes, que não conseguiam repor estoques e enfrentaram grandes perdas financeiras. A imprensa, que também sofreu com a falta de funcionários, teve sua circulação interrompida, e o transporte público foi comprometido, com motoristas e outros trabalhadores essenciais não saindo para o trabalho.
A distribuição de alimentos, essencial para o enfrentamento da crise, também falhou em muitos casos, com instituições beneficentes, como as que distribuiam sopa aos pobres, não conseguindo atender à demanda crescente. O cenário se agravou com relatos de famílias inteiras sendo vítimas da doença, sem socorro por parte dos vizinhos, que temiam o contágio. Em algumas cidades, os relatos de suicídios aumentaram devido ao desespero causado pela pandemia, refletindo o impacto psicológico profundo da doença na população.
Além das questões sanitárias e sociais, o Brasil enfrentava a fragilidade de um sistema de saúde precário, sem saneamento básico adequado e com poucos recursos para lidar com a epidemia. A falta de água encanada, de geladeiras para conservar alimentos e de equipamentos médicos suficientes para tratar pacientes com insuficiência respiratória fez com que a situação fosse ainda mais crítica. O cenário de pobreza e a falta de infraestrutura exacerbaram a gravidade da crise, colocando em evidência as desigualdades sociais do país, que ainda lutava para oferecer condições mínimas de sobrevivência à sua população.
Este período da história brasileira, marcado pela devastação da gripe espanhola, serviu como um alerta para as falhas estruturais no sistema de saúde e na organização do país, que se viu impotente diante de uma epidemia de proporções globais. O legado dessa crise é um lembrete de que as epidemias não apenas afetam a saúde física das pessoas, mas também têm o poder de transformar, de forma duradoura, a economia e as relações sociais.


O Colapso Social e Sanitário Durante a Gripe Espanhola: Uma Trágica Herança
Mais de 100 anos se passaram desde a devastação causada pela gripe espanhola, mas a memória do sofrimento coletivo ainda persiste. A epidemia de 1918 trouxe um colapso sem precedentes aos sistemas de saúde e à estrutura social, enquanto a criação de uma rede de cuidados de saúde como o Sistema Único de Saúde (SUS) seria plantada nesse solo fértil de desafios e traumas.
Em 1918, o Brasil vivia um cenário de grande transição, com escolas aprovando uma geração de novos estudantes e a população lidando com os efeitos de uma pandemia que, além de seus danos à saúde, trouxe consigo uma busca desenfreada por remédios milagrosos. Entre os efeitos colaterais dessa busca, surgiram alternativas que iriam perdurar por décadas, como a famosa caipirinha, uma bebida que se tornaria símbolo de resistência e improviso.
A crise sanitária provocada pela gripe espanhola parecia sair de um filme de terror. As ruas se encheram de corpos, as portas das casas se tornaram palco de desespero, com moradores vendo seus entes queridos tombarem sem nem mesmo a possibilidade de um enterro digno. O setor funerário entrou em colapso, incapaz de lidar com a quantidade de mortos, e as carroças, quando chegavam, não tinham o cuidado necessário para recolher os corpos, que eram descartados em pilhas. A cidade parecia viver em um pesadelo, onde a morte se tornou uma presença constante e implacável.
O trabalho dos coveiros, fundamentais nesse período, foi comprometido, pois muitos estavam doentes ou mortos. Para suprir a falta de mão de obra, a polícia assumiu a função de recrutar homens robustos pelas ruas, forçando-os a cavar covas e enterrar os corpos. Em São Paulo, o cenário foi ainda mais dramático, com os prisioneiros sendo chamados para fazer o trabalho dos coveiros, uma prática que resultou em uma total perda de dignidade na condução dos funerais. Muitas famílias, sem recursos ou permissão para um enterro adequado, viram os corpos de seus entes queridos serem deixados em suas casas, ou pior, em valas comuns, longe do respeito que mereciam.
A situação era particularmente grave nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, onde as autoridades tomaram medidas drásticas para enfrentar a crise. No Rio de Janeiro, a polícia detinha total autoridade para recrutar cidadãos para o trabalho funerário, e em São Paulo, os prisioneiros eram forçados a fazer o trabalho de sepultamento. Com o colapso do sistema funerário, milhares de famílias tiveram que lidar com os corpos de seus entes queridos dentro de casa, o que agravou ainda mais o sofrimento psicológico e emocional da população.
O colapso do sistema de saúde e funerário durante a gripe espanhola refletiu não apenas uma falha nas estruturas de atendimento e no planejamento emergencial, mas também evidenciou as desigualdades sociais da época. A escassez de recursos médicos, a falta de infraestrutura e o sistema de saúde sobrecarregado não conseguiram dar conta da pandemia, deixando a população à mercê de soluções improvisadas e desorganizadas.
A história da gripe espanhola no Brasil é um lembrete doloroso de como, em momentos de crise, a solidariedade e o cuidado com o próximo se tornam ainda mais essenciais, mas também como as falhas de planejamento e a desigualdade social podem exacerbar o sofrimento de uma população já fragilizada. Mais de 100 anos depois, as lições desse período trágico continuam a ecoar, lembrando-nos da importância de preparar sistemas de saúde e de resposta a emergências para o futuro, para que a história não se repita.
Os mortos no Brasil eram tantos que faltavam caixões suficientes, os corpos eram lançados em valas coletivas, e se estendia a madrugada adentro.
Talvez todo esse trabalho servir para zombar da fortaleza física dos homens brasileiros que deixava um rastro de pessoas mortas e um exército de combalidos entregues à fraqueza, depauperamento à quase invalidez.
Até agora foi contada uma parte da história, mas o verdadeiro terror está por vir, quando a gripe espanhola invadiu o Brasil com entrada pelos estados de Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Santos. Esse vírus mutante veio a bordo do Navio Demerara, procedente da Europa, trouxe inúmeros imigrantes, antes de seguir viagem para o Uruguai e Argentina, em 1918.
Foi em setembro que a pandemia se instalou de vez no território brasileiro, o transatlântico desembarcou passageiros infectados nos estados de Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Foi no mês seguinte, o país inteiro estava submerso no que é até hoje a mais devastadora pandemia da história.
Todo o efeito da época lembra o que estamos vivendo hoje em 2020 com a pandemia do Covid-19, que expandiu rapidamente em grande parte do mundo e no Brasil começou a ceifada de vidas, seria talvez a doença do século XXI, mas lembre-se essa não será a única. Após 100 anos um vírus distante do que houve no século XX, muitos pensam que é apenas uma simples gripe, mas é muito mais do que isso.
Não existia subdivisão de classes, eram desde os humildes que trabalhavam sem parar até aqueles que tinham o privilégio de gozar do maior conforto de vida foram alcançados pelo flagelo terrível que bem parece universal. A morte não satisfeita com a massa de vidas ceifadas nos campos europeus quis na sua ânsia de domínio estender até nós os seus tentáculos, no continente sul-americano.

A Gripe Espanhola no Brasil: Caos, Falhas e Mitos em Tempos de Pandemia
No final de 1918, o Brasil vivenciou uma das suas maiores crises sanitárias, cujos efeitos ainda reverberam na memória coletiva do país. A gripe espanhola, combinada com a incompetência dos líderes mundiais na Primeira Guerra, levou à devastação de uma nação já fragilizada pela falta de estrutura pública.
Entre outubro e novembro de 1918, o Brasil acompanhava, pela imprensa, o avanço da gripe espanhola e as negociações de paz na Europa. O cenário de guerra e a doença se entrelaçavam, com o vaivém de soldados que contribuíram para a propagação global do vírus. No Brasil, os hospitais ficaram superlotados, as escolas enviaram seus alunos para casa, e o transporte público, como os bondes, trafegavam vazios, refletindo o desespero da população. O comércio, com exceção das farmácias, fechou suas portas, e muitos consumidores buscavam desesperadamente remédios que prometiam salvar suas vidas.
A situação gerou uma série de medidas desesperadas por parte das autoridades. Uma das mais controversas foi a proposta de aprovação automática dos estudantes, sem a necessidade das provas finais, como forma de mitigar os danos causados pela epidemia. Isso ocorreu exatamente no último bimestre do ano letivo, quando muitos estudantes foram afetados pela doença, faleceram ou ficaram debilitados, resultando em uma convalescença incompleta.
São Paulo, um dos estados mais afetados, registrou um aumento alarmante no número de mortes em 1918, com mais de mil mortes em um único dia no Rio de Janeiro. Esse aumento drástico no número de vítimas foi acompanhado por uma série de falhas na administração pública e na organização do sistema de saúde, que entrou em colapso diante da demanda. Para tentar conter a epidemia, o governo proibiu aglomerações, lacrando teatros e cinemas, e as pessoas ficaram proibidas de ir aos cemitérios no Dia de Finados, um movimento para evitar o acúmulo de corpos não sepultados.
A epidemia também gerou uma onda de charlatanismo, com remédios milagrosos sendo amplamente divulgados nos jornais. Água tônica de quinino, balas de ervas e fórmulas com canela eram algumas das alternativas oferecidas como cura. Em São Paulo, um remédio caseiro se tornou uma febre: cachaça com mel e limão, que, curiosamente, originou a famosa caipirinha. O preço do limão disparou e a fruta desapareceu das mercearias, com a população se rendendo a essa mistura como uma solução terapêutica.
A crise revelou não apenas uma falha grave na estrutura de saúde pública do Brasil, mas também uma deficiência em informações claras e precisas sobre como lidar com a doença. A busca por salvação levou as pessoas a acreditarem em qualquer promessa de cura, fenômeno que, de certa forma, ainda é observado em tempos mais recentes, como no caso da AIDS, onde terapias questionáveis também ganharam popularidade.
Além das falhas no sistema de saúde, a pandemia escancarou as desigualdades sociais do Brasil. Enquanto a classe média alta estava, em grande parte, protegida da doença, os mais pobres, especialmente os refugiados nas zonas rurais e nas periferias das grandes cidades, sofreram os maiores impactos. As instituições de caridade, como a Cruz Vermelha e as Santas Casas, eram as principais fontes de assistência para a população mais vulnerável, mas também enfrentaram críticas e boatos.
Em um dos episódios mais sombrios da pandemia, surgiu a lenda do “chá da meia-noite”, supostamente administrado pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, em que se dizia que os pacientes em estado terminal eram mortos por meio de um chá envenenado. Esse boato gerou revolta popular, e o hospital foi apelidado de “Casa do Diabo” pela população. A lenda reflete o grau de desconfiança e pânico que tomou conta das pessoas, que, sem saber a quem culpar, dirigiram sua raiva contra a única instituição que ainda tentava oferecer algum tipo de assistência.
O episódio da gripe espanhola em 1918 é um marco na história do Brasil, que, ao enfrentar essa tragédia, viu expostas as fragilidades de suas instituições e a falta de um sistema de saúde robusto. Mais de 100 anos depois, a história continua a ensinar a importância de uma rede de cuidados eficiente e preparada para emergências, como o Sistema Único de Saúde (SUS), que nasceu, de certa forma, dessa necessidade de proteção à população mais vulnerável.
“Pandemia escancara uma deficiência grave do Brasil à falta de estrutura na saúde pública”
A Gripe Espanhola e a Resposta Falha do Governo Brasileiro
Em 1918, a crise da gripe espanhola expôs a ineficácia do sistema de saúde brasileiro e a negligência das autoridades, culminando em uma tragédia que ceifou milhares de vidas e deixaria marcas duradouras no país.
Quando a gripe espanhola chegou ao Brasil, a resposta das autoridades foi marcada pela lentidão e ineficácia. Prefeitos e governadores, cientes de que não agir seria um erro fatal, começaram, com certo atraso, a distribuir remédios e alimentos. As escolas, clubes e igrejas foram improvisados como enfermarias para tentar dar conta da demanda crescente de doentes. Médicos particulares e estudantes de medicina foram convocados para ajudar na crise, enquanto a população se via cada vez mais desesperada e sem alternativas.
No âmbito federal, a Diretoria-Geral de Saúde Pública, subordinada ao Ministério da Justiça, teve uma atuação fraca e limitada, restringindo-se a medidas superficiais, como a barreira sanitária nos portos e a higiene da capital. A verdadeira negligência, no entanto, estava na falta de ação efetiva para conter a propagação do vírus. A Diretoria falhou em impor rigorosas medidas de quarentena aos navios vindos do exterior, ignorando os primeiros sinais de surto na Europa. O navio Demerara, por exemplo, foi uma das fontes iniciais de contaminação no Brasil, e a não aplicação de medidas adequadas resultou em uma disseminação desenfreada do vírus pelo país.
Quando a doença se espalhou pelo território nacional, o governo continuou subestimando a gravidade da situação. Em vez de agir com urgência para conter a epidemia, a administração pública se manteve em uma postura de negação, o que levou a um colapso total do sistema de saúde pública. Hospitais ficaram superlotados, as mortes se acumulavam, e o Brasil presenciou a falência de seus serviços de higiene e assistência, resultando na perda de 35 mil vidas no país.
A crise sanitária da gripe espanhola também teve um impacto significativo no futuro da saúde pública no Brasil. A resposta falha do governo plantou as sementes para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição de 1988. A crise de 1918 evidenciou as falhas do sistema de saúde e a necessidade urgente de reformas. No entanto, foi uma lição amarga para a população, que sofreu as consequências da negligência do Estado.
Em dezembro de 1918, o vírus começou a desaparecer, e os casos de contágio tornaram-se cada vez mais raros. A epidemia que havia infectado milhares de brasileiros entre setembro e novembro não tinha mais vítimas para atacar, marcando o fim de uma das maiores tragédias sanitárias da história do país. Contudo, as cicatrizes deixadas pela gripe espanhola nunca foram totalmente apagadas.
No Rio de Janeiro, a população usou o Carnaval de 1919 para exorcizar os traumas da epidemia. O tema escolhido para o desfile foi o “chá da meia-noite”, uma lenda urbana que surgiu durante a crise, associada à morte de pacientes nas instituições de saúde. O desfile, mais do que uma festa, foi um rito de superação do medo e do sofrimento vividos no ano anterior. A experiência da gripe espanhola, embora tenha desaparecido de forma abrupta, deixou um legado de marcas profundas na sociedade brasileira, evidenciando a fragilidade das instituições de saúde pública e a importância de aprender com os erros do passado.