O Brasil que parou diante do misterioso inimigo

O coronavírus vai se aquietar por um curto período, porém, as pandemias vão e vem, e querendo ou não em breve uma nova doença aparece e toda a população mundial vivenciará mais uma vez o que estamos passando. Começa uma nova batalha, pois, não temos anticorpos para lutar contra o que pode e deve vir por aí.

Foi nos primeiros dias de janeiro de 2020, que dois países asiáticos Japão e Coreia do Sul eram acometidos pelo novo coronavírus doença que vem devastando o planeta, o ponto de origem do Sars-Cov-2 se deram na China, em uma cidade chamada Wuhan.  Tudo o que estamos vivendo hoje, já se repetiu há cem anos, fomos vítimas de uma pandemia mortal que foi chamada de gripe espanhola.

Uma gripe que surgiu no final da Primeira Guerra Mundial, em cada canto do mundo foi denominada com um nome diferente, a espanhola, mal das trincheiras, catarro russo, febre de três dias, “Maria Inácia”.

A pandemia se transformou em poucos meses, e naquela época os deslocamentos eram feitos de tráfego marítimo que demorava em alguns casos 15 dias, não algumas horas como é feito atualmente.

Pode ser dita como uma H1N1 que nos corrompeu pela última vez no planeta em 2009, porém, era 25 vezes mais forte que as gripes comuns. Não existe um cálculo exato sobre a taxa de mortalidade são números imprecisos, mas é variante entre 20 milhões a 100 milhões de pessoas. Em países subdesenvolvidos e especialmente no continente Asiático não permitia divulgar os números sobre o estrago da catástrofe.

A pandemia do Século XX foi estranha para os padrões dos estudos das doenças por duas razões:

A primeira pela taxa de letalidade vitimou crianças de cinco anos e idosos, o que chocou na época foi o número de vítimas classificados jovens e adultos entre 20 e 40 anos, a parcela saudável da população.

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TRAGÉDIA - Estados Unidos, 1918: a gripe espanhola matou milhões PhotoQuest/Getty Images

O segundo ponto a ser destacado, depois que a onda de mortes acometidas pelo vírus com sintomas de febre alta e gripe forte, a letalidade caiu, porém, passaram dois meses para que duas levas da doença ressurgissem forte, após uma estranha calma epidemiológica, houve os efeitos colossais e mortíferos.

No atual cenário que a sociedade está vivendo sob as recomendações das autoridades, é muito familiar o que a pandemia da época advertiu a população: evitar aglomerações, visitas desnecessárias e atividades físicas intensas e o isolamento social de imediato. Por último se houvesse um caso suspeito de contágio a isolação era a primeira decisão a ser tomada.

Os sintomas são muito parecidos com a pandemia do Covid-19: febre alta, grave dificuldade respiratória, o que diferenciava eram as dores severas pelo corpo.

Em poucos dias, os pulmões se enchiam de líquido, comprometendo a circulação sanguínea. Após a mudança no quadro da doença, os enfermos ficavam com a pele escura por falta de oxigenação e a morte era instantânea com muito sofrimento a sensação de sufocamento pelos pulmões estarem cheios de líquidos.

A taxa de letalidade foi de 2,5% dos atingidos — abaixo dos 3,74% do coronavírus atual. Em comum, às duas pandemias têm a alta velocidade de transmissão e os efeitos globais sentidos pela população.

Fugir das epidemias de gripe é relativamente difícil, primeiro que é comum na história da humanidade. Existem alguns relatos de doenças no continente europeu a partir de 1580. Foi em 1742, que a pandemia da época foi batizada dê a doença ‘influenza’, e 40 anos depois surgem com força total em 1782 e 1799.

No século XIX quatro grandes epidemias acometeram o mundo. O primeiro em 1889 surgiu na Ásia, depois passou pelo Irã e Rússia, chegou rapidamente na Europa, e em seguida na América e África o único país que não foi devastado pelo vírus foi à Austrália. A doença parecia seguir um padrão no século passado.

Após a espanhola, surgiu em 1957 o H1N1, o que chamamos de gripe suína. Com a virada do século nos anos 2000, as epidemias perderam força: Sars entre 2002 e 2004, H1N1 volta com potência total em 2009 e Mers 2012.

 Chegada ao Brasil

Quando a gripe chegou ao Brasil, houve a perda do ilustre presidente da república, Rodrigues Alves no seu segundo mandato, que não pode tomar posse da presidência em 15 de novembro de 1918. Quem o substituiu no cargo de comandar o Brasil, foi o Delfin Moreira, mas em 16 de janeiro de 1919, o falecimento de Rodrigues Alves, fez com quem Delfin Moreira assumisse interinamente até que fosse feita uma nova eleição.

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Parte do Jornal O Estadão de 1919. Foto:Acervo Estadão

No estado carioca a doença ganhou o apelido de puxa-puxa, levou a óbito 35 mil pessoas no país, mas os dados são totalmente inconfiáveis por ter demarcado fora dos grandes centros. As autoridades na época recomendaram que fossem evitadas aglomerações, repouso e isolamento para evitar o contágio. Os médicos só deveriam ser solicitados caso o paciente estivesse em estado grave.

Nessa época não tinham o álcool gel, no lugar era usado vaselina mentolada e infusões com folhas de goiabeiras. Todo o serviço público e privado forram fechados. A economia foi congelada, os dados não aparecem nas planilhas de Produto Interno Bruto de 1918 e 1919.

Apesar das contenções, a epidemia teve uma boa evolução. Na cidade de Curitiba, no Paraná que estavam com 78 mil habitantes, teve um número de contágio em torno de 45 mil pessoas, a taxa de letalidade foi de 0,84% da população no período de outubro a dezembro de 1918.

O sistema de saúde entrou em colapso, os hospitais não comportaram a quantidade de doentes e muitos médicos tiveram que ser afastados pela contaminação por causa da doença.

Com os serviços públicos sem funcionar pelas grandes cidades do país, o comércio estava com as portas abaixadas, as lojas que estavam abertas logo fecharam por falta de mercadoria, não tinham reposição, o que afetou muitos empresários da época. Os veículos de comunicação impressos os jornais foram afetados em larga escala, sem funcionários, a circulação teve que ser paralisadas, o transporte público os motoristas não saíram para o trabalho.

Houve uma grande falha pela ineficiência de profissionais na distribuição de comida e instituições beneficentes que teve como meta levar sopa dos pobres para alimentar os doentes, o que resultou em uma catástrofe.

Muito caso ficou conhecido na época de morte por prostração de famílias inteiras, que não foram socorridas pelos vizinhos por medo do contágio, houve alguns suicídios pelo surto da epidemia.

Não deve ser deixado de lado que o cenário da gripe espanhola no Brasil, era de um país sem saneamento básico eficaz, água encanada não existia para todos os brasileiros. Algumas casas sem geladeira para conservação dos alimentos, os hospitais com poucos aparelhos para avaliar e atender os enfermos com insuficiência respiratória.

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Sede do Paulistano, hospital improvisado em 1918 – Acervo/club/ Athletico Pauistano

Em mais de 100 anos, um novo vírus surge, porém, uma semente foi gerada no Sistema Único de Saúde (SUS), foi no ano de 1918, que a gripe espanhola se instalou.

O ano em que escolas brasileiras aprovaram inúmeros estudantes houve também a busca por remédios milagrosos, que resultou em efeitos colaterais inusitados, e a criação da caipirinha nasce.

Nessa época pareciam cenas de filme de terror, o setor funerário entrou em colapso, vários corpos mortos, nas portas das residências em torno de um bairro inteiro, atraindo urubus.  Os raros transcendentes andam a passos ligeiros, como se fugisse, da misteriosa doença.

Carroças surgem de tempos em tempos para, sem cuidado ou deferência recolher os corpos que seguiam em pilhas para o cemitério. Uma época que coveiros, na sua grande parte estava acamado ou mortos, a polícia saia à caça em busca de homens fortes e robusto, que eram obrigados a cavar covas e sepultar os cadáveres..

No Rio de Janeiro a polícia tinha total autoridade para convocar quaisquer cidadãos pela cidade quase deserta para que fosse feito o trabalho dos coveiros. Em São Paulo, foram os prisioneiros que eram informados obrigatoriamente a recolherem os corpos pelas ruas, porém, com o serviço funerário em colapso, muitas famílias tiveram os corpos de seus entes queridos dentro de casa e outros largados as traças na calçada. Os enterros, não eram públicos e muitos corpos foram a valas comuns.

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Jornal Gazeta de Notícias. Foto: Acervo/ Gazeta.

Os mortos no Brasil eram tantos que faltavam caixões suficientes, os corpos eram lançados em valas coletivas, e se estendia a madrugada adentro.

Talvez todo esse trabalho servir para zombar da fortaleza física dos homens brasileiros que deixava um rastro de pessoas mortas e um exército de combalidos entregues à fraqueza, depauperamento à quase invalidez.

Até agora foi contada uma parte da história, mas o verdadeiro terror está por vir, quando a gripe espanhola invadiu o Brasil com entrada pelos estados de Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Santos. Esse vírus mutante veio a bordo do Navio Demerara, procedente da Europa, trouxe inúmeros imigrantes, antes de seguir viagem para o Uruguai e Argentina, em 1918.

Foi em setembro que a pandemia se instalou de vez no território brasileiro, o transatlântico desembarcou passageiros infectados nos estados de Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Foi no mês seguinte, o país inteiro estava submerso no que é até hoje a mais devastadora pandemia da história.

Todo o efeito da época lembra o que estamos vivendo hoje em 2020 com a pandemia do Covid-19, que expandiu rapidamente em grande parte do mundo e no Brasil começou a ceifada de vidas, seria talvez a doença do século XXI, mas lembre-se essa não será a única. Após 100 anos um vírus distante do que houve no século XX, muitos pensam que é apenas uma simples gripe, mas é muito mais do que isso.

Não existia subdivisão de classes, eram desde os humildes que trabalhavam sem parar até aqueles que tinham o privilégio de gozar do maior conforto de vida foram alcançados pelo flagelo terrível que bem parece universal. A morte não satisfeita com a massa de vidas ceifadas nos campos europeus quis na sua ânsia de domínio estender até nós os seus tentáculos, no continente sul-americano.

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Pronto atendimento. Foto: Banco de imagens internet.

Entre os meses de outubro e novembro de 1918, as manchetes dos jornais brasileiros se alternam entre a gripe espanhola no país e as negociações de paz na Europa. O vaivém de soltados que faz o vírus mortal tocarem todos os continentes do planeta, pela incompetência dos líderes, na Primeira Guerra Mundial.

Nessa época parecia que começamos a viver hoje. Em todo o Brasil, os hospitais ficaram abarrotados, as escolas mandaram os alunos para casa, os transportes de bonde trafegavam vazios. Os estabelecimentos de alfaiataria, quitandas, lojas de tecidos e barbearias ficaram vazias. O comércio todo abaixou as portas — a exceção das farmácias, onde os fregueses disputam a tapa pílula e tônicos que prometem curar as vítimas da doença mortal.

O poder público tentou criar projetos de leis para combater a doença e amenizar os efeitos, e uma delas da proposta que determinava a aprovação automática de todos os estudantes brasileiros, sem a necessidade das provas finais.

Um momento em que se exige do estudante o máximo é no último bimestre do ano letivo, quando eles se preparam para os exames finais. Exatamente nessa época, grande parte dos alunos foi atacada pela epidemia reinante e muitos falecerem. Aqueles que se salvaram estão em convalescença que se pode considerar de longe de ser completa.

No Brasil, há epidemia tomava conta de forma avassaladora, às mortes anuais mostradas em gráficos em número que em São Paulo tinha um salto gritante em 1918, em um único dia o Rio de Janeiro chegou a registrar mais de mil.

A destruição também pode ser calculada pela carência na eleição para o senado, ocorrida apenas na cidade do Rio em novembro de 1918.

Com o avanço da doença, o governo decidiu proibir aglomerações públicas, os teatros e cinemas, além de lacrados, eram lavados com desinfetante todos os dias. Pela primeira vez na história, as pessoas ficaram proibidas de ir aos cemitérios no dia de finados. Não só para evitar as multidões, mas também para impedir que seja estoque de corpos insepultos.

Os jornais estão repletos de anúncios de remédios milagrosos comentei sobre isso no começo do texto, agora vou aprofundar para vocês leitores entender o que estava escrevendo e o que pensei no momento do desenrolar desse artigo, esses medicamentos que diziam ser capazes de prevenir e curar a gripe.

A oferta vai de água tônica de quinino a balas a base de ervas de purgantes, a fórmula com canela. A procura era tão grande que as farmácias se aproveitavam da situação e aumentaram o preço a um valor absurdo, mas isso não é o caso a ser aprofundado aqui.

Na cidade de São Paulo a população em peso vai a buscar do remédio caseiro como alternativo e que dizia curar era a cachaça com mel e limão. Em consequência, o preço do limão disparou, e a fruta sumiu das mercearias. Na época segundo o Instituto Brasileiro da cachaça foi dessa receita supostamente terapêutica que nasceu a caipirinha.

Seria uma coincidência ou não, uma das peças de maior sucesso nos Teatros paulistas em 1918, se chamava A caipirinha.

A gripe não tem cura, diante de uma doença mortal nova que surgiu na época houve muita falha e falta de informação a população ficou apavorada e acreditava em qualquer promessa de salvação, até hoje é assim. Basta lembrar os primordiais da AIDS.

A pandemia escancara uma deficiência grave do Brasil à falta de estrutura na saúde pública, infelizmente o Sistema Único de Saúde (SUS), deixa brecha, e quem mais sofre com tudo isso os pobres que estão ao deus-dará. Diante da época, os hospitais públicos com equipamentos eficazes para o tratamento, eram poucos.

Não é raro que as pessoas, assim que se descubram “espanholadas”, busquem socorro nas delegacias de polícia. Quem prestava serviços de assistência à população carente são instituições de caridade, como as santas casas e a Cruz Vermelha. As famílias de classe média alta não eram atingidas com tanta frequência como os pobres refugiados em fazendas no interior do país, mantendo distância do vírus.

Uma multidão morria todos os dias, houve boatos que começaram a correr no Rio de Janeiro que a Santa Casa de Misericórdia, para abrir novos leitos, provocava a morte dos doentes em estado terminal.  Isso se daria através de um chá envenenado administrado aos pacientes na calada da noite. Nasce, assim, a lenda do “chá da meia-noite”. Os jornais apelidam o hospital de “Casa do Diabo”.

O povo carioca se ergueu em revolta contra a Santa Casa de Misericórdia que era a assistência médica principal da capital. Sem saber a quem recriminar essa rebelião foi necessária. O povo parece não saber que a Santa Casa, afora um subsídio pequeno que lhe concede o governo, vive do favor do público, desse espírito de filantropia tão vivo no seio da nossa população.

 

“Pandemia escancara uma deficiência grave do Brasil à falta de estrutura na saúde pública”

 

A crise reinava na época, então os prefeitos e governadores perceberam que ficar de braços cruzados seria um erro grave, então com certo atraso, distribuem remédios e alimentos, as escolas, clubes e igrejas foram improvisadas em enfermarias, convocam médicos particulares e estudantes de medicina.

No cenário federal, a existência da Diretoria-Geral de Saúde Pública, que estava sendo subordinada ao Ministério da Justiça, mas com atuação bastante covarde, cuidando apenas da barreira sanitária dos portos e da higiene da capital do país.

A população quer culpar a Santa Casa, mas o verdadeiro protagonista culpado era da Diretoria-Geral da Saúde Pública, por ter subestimado as notícias da gripe espanhola no exterior e não ter imposto severamente a quarentena aos navios vindos de fora, como o Demerara, uma grande negligência de estado.

Mesmo dias depois, com a explosão dos primeiros casos no Brasil, a repartição sanitária estava seguindo a mesma ignorância do governo, que não acreditavam que seria um colapso total, diante do maior cenário de crise na saúde ocasionada pela pandemia espanhola. A população brasileira presenciou uma quase falência dos nossos serviços de higiene e assistência públicas, um erro que acometeu 35 mil vidas no país.

Aqui se instala uma cena hipócrita do governo, que de forma indireta plantou uma semente na saúde do país diante do caso gripe espanhola no ano de 1930 (como Ministério dos Negócios da Saúde e da Educação Pública). Quem herdaria os frutos negativos o Sistema Único de Saúde (SUS), que seria previsto na Constituição de 1988.

De um modo inesperado a gripe espanhola desaparece repentinamente do Brasil,  em dezembro, os casos de contágios são raros. O vírus infectou entre setembro e novembro inúmeras pessoas, e tempos depois não tinha mais ninguém para infectar.

Aqui é encerrado o filme de terror, no Rio de Janeiro, os cariocas usaram o carnaval de 1919 para exorcizar todo mal da gripe espanhola. Diante de todo o desfile um tema único o “chá da meia-noite”, que no fim não causava medo a mais ninguém, uma cicatriz que deixou marcas na vida da população.

 

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