Cada dia mais convencido que precisaremos instalar uma Comissão da Verdade sobre a Covid-19 no Brasil

Ministério da Saúde divulga total acumulado de 71.886 casos e 5.017 mortes de COVID-19 no total. De ontem para hoje foram 474 mortes e 5.385 casos novos oficialmente anunciados. E há subnotificação.

Uma situação para lá de obscura é o estudo com hidroxicloroquina conduzido pela (*) Prevent Senior. A CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, aprovou uma pesquisa para ser feita pela Prevent.

Acontece que apenas três dias após a aprovação, a Prevent publicou um relatório com resultados, o que é totalmente impossível quando se considera o escopo da pesquisa. Tal fato acabou provocando o cancelamento da pesquisa pela CONEP.

Parece que o tal estudo, que apresenta resultados amplamente favoráveis ao uso da substância, não é de fato uma pesquisa conduzida por metodologia aceita, que pressupõe, por exemplo, o recrutamento de voluntários e entre esses a formação de grupos aleatórias dos que usam a substância e dos que usam placebo, sem que cada grupo saiba o que é administrado.

O que foi executado pela Prevent é no máximo um estudo clínico, que, se bem conduzido, pode dar pistas e levantar hipóteses que depois são refutadas ou confirmadas por pesquisa metodologicamente correta. O que a Prevent fez, mesmo para estudo clínico, é bem falho, pois se baseia nos atendimentos e compara o grupo que aceitou e o que não aceitou o uso da hidroxicloroquina e, pior, nem há mesmo comprovação de que quem usou a substância estava de fato com covid-19. Curiosamente os resultados deste estudo que foi apresentado na sexta (18/04) acabou sendo usado na live de Bolsonaro do dia 19/04 como argumento para a sua defesa do fim do isolamento.

Mortes por coronavírus no Brasil. Fonte: G1

Pesquisas com seres humanos são cercadas de muitos cuidados do ponto de vista da ética e da segurança. Parece que razões mercadológicas podem ter imperado no caso. O fato chamou a atenção do ex-ministro da Saúde e deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) que encaminhou ofício à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) pedindo informações. Que sigam as investigações.

Do lado das pesquisas sérias, a bióloga Maria Cátira Bortolini, coordenadora do estudo financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e conduzido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), propõe que o vírus causador da COVID-19 sofreu modificações que aumentam seu poder de infecção em humanos. “O SARS-CoV-2 é altamente ‘generalista’ em relação à sua capacidade de infectar seres humanos, quaisquer indivíduos de qualquer população”.

A pesquisadora no entanto pondera que, considerando sua porta de entrada para a célula, a proteína ACE2, envolvida na regulação da pressão arterial, o vírus não está bem equipado para atingir outros mamíferos, apesar de que isso seja possível. A boa noticia para por aí, pois cada dia aparecem mais relatos de diversas espécies de mamíferos afetados com a covid-19. São tigres, gatos, cães, camelos e até martas, num caso recente em duas fazendas na Holanda. Até o momento a transmissão epidêmica é a de humano para humano, mas em diversos países as autoridades exigem os mesmos cuidados de isolamento para animais de estimação.

Seguindo o meu alerta diário, as mortes provocadas pela pandemia de Covid-19 no município de São Paulo estão na realidade 168% acima do número atribuído oficialmente ao novo coronavírus, revela uma análise do epidemiologista Paulo Lotufo, da USP, com base em dados exclusivos fornecidos ao G1 pelo Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade (PRO-AIM), da Secretaria Municipal da Saúde. Trocando em miúdos, o estudo tem como base de dados todos os atestados de óbito e considera também os dados estatísticos de mortes nos últimos 5 anos.

Estudo da Fiocruz, com dados da info-gripe, também constata que há demasiadas mortes por problemas respiratórios e por causas naturais sem que se tenham feito o teste. Ou seja, esses números feitos a partir de estimativas criteriosas, deveriam estar explicitados na comunicação diária do MS, pois, além de ser uma informação mais próxima ao fato, serviria como um alerta importante à sociedade num país em que muitas autoridades são negacionistas ou pró relaxamento do isolamento.

Hydroxychloroquine Medicine Isolated on Black
Estudo da Prevent Senior divulgou número de mortes menor de pacientes que tomaram cloroquina e azitromicina (Foto: Getty Images)

Usando o percentual apontado, as mortes em São Paulo seriam de fato 5.500 e não as 2.049 anunciadas. Se extrapolarmos para os dados do Brasil (somente como exercício, pois as situações são diversas) estaríamos com mais de 13 mil mortes.

Sigamos com as notícias. Cresce percentual de mortes de pretos e pardos segundo o mais recente boletim epidemiológico; em São Paulo periferias concentram maior número de mortes; 80% de UTIs ocupadas na GSP e 90% dos médicos que atendem não foram testados (daqui a pouco o gargalo não será leito, mas profissionais.

As noticias pelo mundo também são bem ruins. Já são mais de 3, 121 milhões de casos e 216,5 mil mortes. EUA com mais de 1 milhão de casos e 58, 5 mil mortes. Na Europa os 4 países com mais mortes, Itália, Espanha, França e Reino Unido, somaram mais 1.600 mortes de ontem para hoje. Dados JHU (**)

Por último e mais bizarra. Trump declarou que “o Brasil tem um surto sério, como vocês sabem. Eles também foram em outra direção que outros países da América do Sul, se você olhar os dados, vai ver o que aconteceu infelizmente com o Brasil”, disse Trump. Ou seja, um dos heróis do negacionismo critica a orientação da política de (não) combate ao coronavírus adotada pelo Brasil. Bom lembrar que há 30 dias a embaixada americana recomendou aos estadunidenses que fossem embora do Brasil pelo risco da pandemia.

Cada vez mais convencido que ao fim da crise precisaremos instalar uma CV / comissão da verdade da pandemia no Brasil. O negacionismo e a inação do MS – continua o desafio de qual a proposta, plano, ação ou ao menos sugestão importante do MS – são posturas e decisões que colocam em risco e vitimam milhares de pessoas. Isso se chama genocídio. Sem contar o fato de que, por causa de um conjunto de determinantes, a covid-19 estar atingindo mais duramente populações vulnerabilizadas e dados que confirmam isso já são cada dia mais evidentes.

Diário de bordo assinala mais um dia de isolamento a dois. Desanimador ver tanta gente pela minha varanda, e não usam máscara. De minha parte escrever e criar memes tem sido um modo de lidança.

(*) Prevent Senior Private Operadora de Saúde LTDA.
(**) Johns Hopkins University

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