A vaidade e o jogo político no cenário da pandemia

Análise sobre as estratégias de manipulação política e a polarização diante do COVID-19

O domingo, 12 de abril de 2020, ficou marcado por uma entrevista do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta ao programa Fantástico, da TV Globo, que se tornou um ponto de inflexão na crise política e sanitária no Brasil.

A entrevista, cuidadosamente editada e com um cenário cuidadosamente construído, parecia mais um episódio de um programa eleitoral do que uma manifestação legítima de um ministro durante uma pandemia. A entrevista não foi apenas uma troca de palavras, mas uma jogada estratégica que refletia uma batalha política mais ampla, na qual a vaidade, simbolizada pelo Diabo no filme O Advogado do Diabo, se tornou uma força central.

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Ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (Foto: Isac Nóbrega/PR)

A questão em jogo não era, inicialmente, a ciência ou as evidências médicas que estivessem sendo discutidas, mas as camufladas intenções por trás da exibição pública de Mandetta.

Ao lado de uma narrativa construída para pintar o ex-ministro como um defensor da ciência contra o negacionismo do presidente Jair Bolsonaro, o que estava sendo escondido eram as reais forças por trás do governo.

A polarização entre a ciência e o negacionismo, que eletriza os corações e as mentes das massas, na verdade oculta uma estrutura de poder muito mais profunda. Esse conflito superficial desvia a atenção da biopolítica e da necropolítica em andamento, que operam nos bastidores, direcionando recursos públicos para interesses que reforçam a concentração de riqueza e a exclusão de populações vulneráveis.

“Vaidade definitivamente é o meu pecado favorito!”, dizia Milton, o próprio Diabo em pessoa disfarçado de advogado no filme O Advogado do Diabo, 1999.

A pandemia, então, se transformou em uma janela de oportunidades para uma nova ordem global, um momento em que a economia e as políticas neoliberais podiam ser fortemente impulsionadas sob a cortina de fumaça da crise sanitária. A prioridade passou a ser a eliminação das populações consideradas “supérfluas” ou “desnecessárias” em uma visão de higiene social disfarçada de medidas sanitárias. Este cenário levanta a questão de como a esquerda, por exemplo, pode agir diante de uma dinâmica onde o sofrimento das massas parece ser uma mera consequência de uma agenda maior.

A vaidade, sempre presente na política, foi o fator crucial que conduziu Mandetta à sua queda. Sua aparição no Fantástico, com toda a pompa e circunstância, parecia mais um ato de autopromoção política do que uma manifestação de compromisso com a saúde pública. O foco na “Ciência”, termo que se tornou fetiche durante a pandemia, ajudava a posicioná-lo como um herói contra a postura negacionista do presidente, mas essa mesma vaidade foi explorada ao extremo para criar um cenário em que sua demissão fosse praticamente inevitável. A Globo, ao promover esse evento com tanto destaque, estava, sem querer, preparando o terreno para a sua queda, alimentando a narrativa de uma polarização já viciada.

Mandetta, ao aparecer como defensor do Sistema Único de Saúde (SUS) após anos de atitudes privatistas, tornou-se, de repente, o “campeão” da saúde pública, embora antes da crise estivesse entre aqueles que tentavam enfraquecer o sistema. Esse jogo de aparências e manipulações culminou na sua demissão por Bolsonaro, e a entrevista no Fantástico foi vista como a gota d’água que selou seu destino.

Após sua demissão, a reação do espectro político e midiático foi curiosa. Aqueles que antes elogiavam Mandetta e seu posicionamento técnico e científico passaram a se mostrar apáticos, como se tivessem tomado um sedativo coletivo. Esse distanciamento demonstra que, em um jogo de semiótica política, a extrema-direita venceu mais uma vez, com a manipulação das narrativas sendo mais eficaz do que qualquer debate sobre políticas públicas ou saúde.

O que fica claro, então, é que a verdadeira batalha está longe de ser uma simples disputa entre ciência e negacionismo, mas um conflito de interesses muito mais profundo, onde a vida das pessoas é muitas vezes apenas uma peça no tabuleiro político. A vaidade, como destacada em filmes e histórias, continua a ser o motor propulsor de uma guerra invisível que, por mais que se revele ao público, continua a ser manipulada nos bastidores.

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Luta contra o negacionismo. Foto: Reuters

O espetáculo político e a interface da guerra criptografada
Reflexões sobre o jogo midiático e os interesses ocultos nas decisões políticas durante a pandemia

No auge da crise sanitária causada pela pandemia de COVID-19, a TV Globo, em um movimento aparentemente otimista, projetava um tom de união, com Gerson Camarotti sugerindo que era hora de “passar uma borracha no passado” e unir todos em torno do novo ministro da Saúde, Nelson Teich. Ele logo seria a nova figura a ocupar o lugar de Luiz Henrique Mandetta, alçado ao status de “cientista” e “médico de sucesso”, elogiado pela mídia como um “técnico” que traria a solução para os problemas de saúde pública. Para a Globo e para os “notáveis” que a apoiam, Teich seria a resposta para os conflitos internos que envolviam o governo e a condução da crise.

No entanto, ao observarmos mais de perto a construção dessa narrativa, podemos perceber que a escolha de Teich é uma mera “interface”, uma camada superficial de um sistema muito mais complexo e criptografado. Assim como um programa de computador que se apresenta com uma interface amigável, mas que esconde linhas de código e algoritmos invisíveis aos olhos dos usuários, a política brasileira está sendo conduzida por uma série de elementos ocultos que influenciam as decisões e manipulações por trás das câmeras.

A metáfora do “Estado Espetáculo”, que o sociólogo Róger-Gerard Swartzenberg descreve em seu livro O Estado Espetáculo, pode ser aplicada para entender a realidade política atual. O que vemos na mídia é uma representação de um “grande espetáculo” de polarizações falsas, como a oposição entre “Ciência” e “Negacionismo” ou entre “Economia” e “Vidas”. Esses conflitos são cuidadosamente encenados para manter o público distraído, enquanto os reais interesses e operações políticas permanecem fora de vista. Eles são como o ícone de uma nuvem em que um arquivo é arrastado para o espaço digital, ocultando o verdadeiro destino de dados e informações. Assim, o espetáculo político cria uma ilusão de ação e decisão, enquanto os verdadeiros mecanismos de poder continuam em operação sem que a maioria perceba.

O drama midiático, amplificado pelas redes sociais e pela cobertura incessante da crise, tem o efeito de hipnotizar a população com questões superficiais. As polarizações criadas, como a disputa entre negacionistas e defensores da ciência, servem para alimentar o conflito e a divisão.

Contudo, isso é apenas uma fachada. Por trás dessa fachada, tanto Mandetta quanto Teich fazem parte de redes privadas de saúde e compartilham com a equipe econômica do governo uma trajetória dentro do mercado financeiro e da gestão neoliberal. Em outras palavras, eles operam sob o mesmo sistema que favorece os interesses da elite econômica, o que contrasta com a urgência de uma liderança mais alinhada com as necessidades da população.

O que a crise exigiria, ao invés de mais representantes do setor privado e da banca financeira, seria a presença de infectologistas experientes em redes públicas de saúde e economistas com expertise em políticas de transferência de renda. Mas essas soluções não se alinham com os interesses do sistema dominante, que prefere manipular as narrativas e manter o foco nas polarizações e nas intrigas políticas, como em uma telenovela. O público, hipnotizado pela tensão e dramaticidade, não percebe que o verdadeiro propósito da política que se desenrola nos bastidores é apenas manter as estruturas de poder intactas.

Dessa forma, a política no Brasil se torna um jogo criptografado, onde os interesses de uma minoria são ocultados por trás de uma fachada de disputas e escolhas mediadas pelas aparências. A pergunta que resta é: qual é o verdadeiro propósito deste Sistema Operacional que está rodando de forma oculta em Brasília, mantendo sua política disfarçada de disputa, enquanto as decisões que afetam a vida da população são tomadas em esferas mais discretas?

Assim como no velho DOS, onde o funcionamento interno de um sistema era escondido atrás de uma interface gráfica, a política brasileira se revela como uma máquina de manipulação que apenas parece estar à disposição da população, mas na realidade serve a outros interesses muito mais profundos.

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Sistema Binário, códigos. Foto/Imagen: Banco de addos Reuters

As portas dos fundos do Sistema Operacional político e econômico: biopolítica e necropolítica em tempos de crise

Como um sistema operacional oculto, a política brasileira se movimenta por trás de narrativas e polarizações simuladas, deixando entrever questões ainda mais profundas.

No cenário político atual, o Brasil vive um sistema operacional (SO) criptografado, onde as ‘backdoors’ se tornam visíveis apenas para quem consegue perceber as falhas no sistema. Um dos maiores e mais perigosos exemplos dessa vulnerabilidade são as práticas de biopolítica e necropolítica, que se ocultam atrás das cortinas da crise sanitária e da política neoliberal. Em vez de lideranças voltadas à saúde pública e à equidade social, o Brasil é governado por estratégias que visam privilegiar a concentração de poder e a manutenção de uma agenda que favorece apenas as elites.

Biopolítica: A verdadeira agenda por trás da crise econômica

O conceito de “Circuit Breaker”, utilizado nas bolsas de valores para interromper transações financeiras quando há uma queda acentuada, é uma metáfora perfeita para entender o impacto da pandemia no Brasil. Embora o coronavírus tenha sido uma crise sanitária inesperada, sua emergência serviu como um álibi perfeito para suspender a economia e permitir a liquidez das grandes corporações, por meio de transferências de dinheiro público.

Neste contexto, medidas como a aprovação da “Carteira de Trabalho Verde e Amarela”, que propõem a redução de direitos trabalhistas, mostram que o governo tem como prioridade atender à agenda neoliberal de destruição dos direitos sociais e redução do papel do Estado. O discurso de que o país vivia uma crise sanitária que demandava medidas excepcionais escondia uma estratégia de enfraquecimento das garantias sociais, favorecendo, assim, os interesses da elite econômica.

Necropolítica: O “cavalo de troia” da eugenia e o abandono das massas vulneráveis

A necropolítica, um conceito desenvolvido pelo filósofo Achille Mbembe, descreve a política de morte sistemática das populações vulneráveis, aquelas que são consideradas “sobrantes” pelo sistema capitalista neoliberal. A crise da COVID-19 se tornou uma janela de oportunidade para aprofundar a exclusão social, com hospitais de campanha sendo montados em locais como estádios de futebol, representando um tratamento desigual e uma visível negligência com a população mais pobre.

A escolha de onde investir em saúde, como o ministro Nelson Teich sugeriu, reflete o princípio do darwinismo social, onde os mais pobres e os mais velhos são considerados “menos aptos” e, portanto, mais descartáveis. No Brasil, a distribuição desigual de recursos, especialmente em relação ao Sistema Único de Saúde (SUS), revela uma política de morte que favorece a elite, enquanto negligencia as populações vulneráveis que seriam as mais afetadas pela pandemia.

O Estado de exceção biológico e a manipulação das narrativas

O governo atual opera um sistema onde a biopolítica e a necropolítica se combinam, criando uma agenda oculta que visa a eliminação das classes mais vulneráveis, enquanto protege os interesses das elites. Por meio de uma narrativa de polarização e de uma constante criação de crises, as estruturas de poder mantêm o controle e desestabilizam as resistências. O fato de o governo estar favorecendo a destruição de direitos trabalhistas enquanto cria condições para que grandes corporações se beneficiem da crise mostra o caráter opressor e eugenista dessa política.

O ministro Nelson Teich, ao discutir as escolhas que devem ser feitas entre investir na vida de idosos ou de jovens, reflete a moral oculta do neoliberalismo: a eliminação dos “menos aptos” para preservar um sistema que favorece a competitividade e o lucro acima da vida humana. Esse tipo de pensamento, que tem raízes na eugenia e no darwinismo social, se reflete na forma como o governo lida com a crise de saúde pública, colocando a vida das populações vulneráveis em segundo plano.

As portas dos fundos do sistema

As backdoors do sistema político-econômico em Brasília não estão apenas em estratégias econômicas ou políticas, mas na manipulação de uma narrativa que visa ocultar a verdadeira agenda neoliberal. A biopolítica e a necropolítica são as ferramentas que permitem a concentração de poder nas mãos de poucos, enquanto a maioria da população é levada à margem da sobrevivência. Para entender a crise que o Brasil atravessa, é preciso olhar além das narrativas públicas e perceber o que realmente está em jogo nos bastidores do poder.

A reinvenção da esquerda: desafios e novas estratégias para o século XXI

Essa reinvenção da esquerda precisa, portanto, ser mais do que uma simples reação à ascensão de Bolsonaro e à dominação da extrema-direita. Não se trata apenas de um confronto ideológico, mas de uma reconfiguração estratégica que compreenda as novas dinâmicas do poder, as tecnologias emergentes e, fundamentalmente, a transformação das formas de mobilização política. A esquerda deve abandonar a ideia de que a vitória política virá apenas por meios tradicionais ou por grandes figuras “salvadoras”. A proposta de unir o militante político com o geek tecnológico é uma tentativa de criar um novo tipo de resistência: mais ágil, mais conectada e mais estratégica.

A crítica à globalização, por exemplo, foi usurpada pela direita, mas ela também precisa ser reconquistada com um discurso renovado, que leve em conta as novas realidades sociais, econômicas e políticas. A globalização não é mais vista como um processo positivo, mas como uma estrutura de poder que reforça desigualdades e favorece os interesses das grandes corporações. No entanto, cabe à esquerda reformular essa crítica, não como uma simples oposição à globalização, mas como uma tentativa de criar uma rede de resistência internacional que, de fato, combata as desigualdades estruturais que ela impõe.

Além disso, a esquerda deve abandonar o fetichismo da imagem pública e das “narrativas convenientes” criadas para o consumo instantâneo nas redes sociais. A superficialidade das interações digitais não pode ser confundida com o engajamento político genuíno. Para ser eficaz, a ação política precisa ser multifacetada, tanto no virtual quanto no físico, com uma compreensão profunda das questões sociais e econômicas que estão em jogo. A esquerda precisa ser mais do que uma força que denuncia ou espera uma revolução catastrófica — precisa ser uma força que constrói soluções, que se adapta e usa as ferramentas do século XXI para enfrentar a intransigência das elites.

Uma das maiores lições que podem ser extraídas desse momento é a necessidade de uma mobilização política que vá além das disputas partidárias tradicionais. A esquerda não deve se limitar a narrativas de resistência isoladas, mas deve entender as novas formas de poder e suas estratégias de subversão. Uma vez mais, isso exige uma articulação sólida com os diferentes atores sociais que compõem a sociedade civil, como organizações de base, movimentos sociais e, especialmente, jovens engajados nas questões tecnológicas e ambientais.

Portanto, a construção de um novo projeto político de esquerda não pode se dar de maneira fragmentada. Ela precisa ser integrada, estratégica, reflexiva, mas também prática. Não adianta apenas lutar contra as invasões de backdoors ideológicos se a própria estrutura de resistência não for sólida o suficiente para suportar tais ataques. A esquerda deve entender que a verdadeira mudança não virá apenas de um confronto direto com a direita, mas sim da criação de um novo pacto social, que seja mais justo, mais inclusivo e mais adaptado às necessidades do povo e do mundo contemporâneo.

Para isso, será necessário que a militância política se reivente, se distancie do fetiche das redes sociais e passe a entender as novas dinâmicas de poder, tanto locais quanto globais, de forma a não perder de vista o objetivo maior: a transformação social que reverta a lógica de opressão e desigualdade que perdura há séculos. A missão é ambiciosa, mas com novas metodologias e com o uso inteligente das tecnologias, é possível criar um movimento capaz de combater não apenas o fascismo crescente, mas também as estruturas que sustentam a opressão em suas múltiplas formas.

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