Será o fim do distanciamento social do jornalismo?

Em tempos de crise global, o jornalismo volta a ocupar um espaço central, refletindo sobre seu papel na sociedade, sua responsabilidade e a urgência de se reafirmar como uma fonte confiável de informação.

Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretava que o mundo enfrentava uma pandemia. No Brasil, a confirmação do primeiro caso de morte pela COVID-19 marcou o início de uma série de mudanças drásticas nas esferas políticas, sociais e econômicas. A partir desse momento, o distanciamento social passou a ser a regra, e muitas áreas antes negligenciadas voltaram a ganhar protagonismo. A ciência, com suas pesquisas e descobertas, e o jornalismo, com suas coberturas imersivas e responsabilidade social, tiveram suas relevâncias reforçadas.

O jornalismo, em particular, que já vinha sofrendo com a desinformação e o questionamento de sua importância nos últimos anos, precisou se reinventar diante do caos. Enquanto o país enfrentava uma crise sanitária sem precedentes, as emissoras de TV ampliaram significativamente os espaços de programação dedicados a informações sobre o coronavírus, com edições especiais e transmissões ao vivo para atualizar a população. As cientistas, médicos e especialistas que antes eram figuras periféricas no debate público passaram a se tornar fontes essenciais nas reportagens, sendo convidados para compartilhar seu conhecimento e orientar a sociedade.

O ano de 2020 se desdobrou com uma velocidade impressionante, como um filme de ficção científica em que a nave espacial acelera abruptamente e desaparece em um risco no céu. Essa aceleração nos trouxe, de repente, a uma nova realidade, onde a informação passou a ser não apenas uma necessidade, mas uma questão de vida ou morte. A urgência do jornalismo foi relembrada: de ser o elo entre os fatos e a sociedade, de ser uma via de comunicação entre especialistas e a população, e, sobretudo, de se reafirmar como um pilar de verdade em tempos de crise.

Antes da pandemia, a ciência e o jornalismo estavam imersos em um ambiente de desconfiança. A ascensão das fake news e a constante desvalorização do trabalho jornalístico minaram sua credibilidade perante a opinião pública. Ao mesmo tempo, os ataques às instituições científicas e à pesquisa se intensificaram, alimentando um ambiente de polarização e desconstrução de informações verificadas. Mas a chegada do coronavírus desafiou esse cenário e trouxe à tona a necessidade urgente de fontes confiáveis.

Sem medicamentos ou vacina imediatamente disponíveis e com o número de casos e mortes disparando, a sociedade foi obrigada a se voltar para fontes sérias, como as universidades, os cientistas e, principalmente, o jornalismo, para entender os riscos, as medidas preventivas e as realidades em torno da doença. Com o fechamento de fronteiras e escolas, a organização da sociedade foi desafiada, e o jornalismo, que antes lutava contra uma maré de descrédito, agora se viu no centro das atenções, sendo constantemente chamado a fornecer informações claras, precisas e embasadas.

Essa revalorização do jornalismo se deu também por uma razão simples: em tempos de pandemia, a verdade importa mais do que nunca. O jornalismo se tornou um dos principais meios para garantir que as pessoas tivessem acesso a dados verificados, que as políticas públicas fossem analisadas criticamente e que as informações não fossem distorcidas ou manipuladas por grupos de interesse. Nesse cenário, o papel dos jornalistas foi mais do que nunca o de intermediários da verdade, responsáveis por separar o joio do trigo, oferecendo à sociedade aquilo que é fundamentado e crucial para salvar vidas.

Porém, a recuperação da confiança no jornalismo não será imediata nem garantida. Se a pandemia mostrou a importância dessa profissão, também deixou à vista as suas fragilidades. Muitos veículos de comunicação, por exemplo, se viram com suas equipes reduzidas e suas operações limitadas pela crise econômica, o que afeta diretamente a qualidade do conteúdo produzido. Além disso, as fake news continuam a ser uma ameaça constante, exigindo dos jornalistas uma vigilância constante na busca pela veracidade dos fatos.

Entretanto, a pandemia também oferece uma oportunidade única de reflexão para o jornalismo. Este momento de recuperação do espaço e do protagonismo é também um ponto de virada para repensar o papel da mídia na sociedade moderna. Em tempos de crise, a sociedade precisa de jornalistas que, mais do que nunca, estejam comprometidos com a ética, com a transparência e com a missão de servir à verdade. Assim, o futuro do jornalismo dependerá não só de sua capacidade de se reinventar, mas também de sua capacidade de preservar seus princípios fundamentais diante das adversidades.

É possível que, após a pandemia, o jornalismo consiga se reconectar com seu público de uma forma mais profunda, com mais respeito e com uma compreensão renovada de seu papel essencial. A pandemia não trouxe apenas sofrimento e perdas, mas também despertou uma consciência coletiva sobre a necessidade de informação precisa e confiável. O jornalismo, se souber aproveitar este momento de reinserção na sociedade, pode se fortalecer e se reafirmar como uma instituição crucial para o funcionamento democrático e para a construção de uma sociedade mais bem informada.

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Foto: Republicanos10

A transformação do jornalismo durante a pandemia: uma reflexão sobre diversidade e igualdade

Em tempos de pandemia, o jornalismo assumiu um papel central, não apenas informando, mas também promovendo uma mudança nas narrativas sociais e políticas sobre desigualdade.

Com a aceleração dos casos de COVID-19 e a rápida propagação do vírus por todos os continentes, o jornalismo foi, paradoxalmente, um dos setores que experimentou um crescimento significativo em sua relevância e espaço de atuação. Um dos primeiros sinais desse crescimento foi o aumento das horas dedicadas às notícias, refletindo a urgência de informar a população sobre a evolução da pandemia e suas consequências.

No Brasil, um exemplo dessa transformação ocorreu em abril, quando o programa “Encontro com Fátima Bernardes”, tradicionalmente voltado ao entretenimento, voltou ao ar com um formato adaptado. Após um mês fora da programação devido à ampliação da cobertura jornalística sobre a pandemia, o programa passou a ser transmitido sem plateia e com entrevistas por vídeo. O objetivo era manter o foco nas notícias, com um tom de proximidade e empatia, o que contrastava com o formato mais distante e formal dos programas de auditório anteriores.

A mudança na programação das emissoras foi drástica. As novelas, por exemplo, foram substituídas por reprises, enquanto o futebol, uma das principais fontes de entretenimento do país, foi interrompido. Em contrapartida, os telejornais se expandiram e passaram a ser praticamente inteiramente dedicados ao noticiário relacionado ao coronavírus. As transmissões diárias de dados sobre a evolução da pandemia, as medidas de prevenção e as entrevistas com especialistas tornaram-se a principal fonte de conteúdo atual e factual.

Essa transformação no formato jornalístico não foi apenas uma adaptação à crise, mas também uma mudança no tom e na abordagem do conteúdo. A linguagem do jornalismo se tornou mais crítica e investigativa, com um foco mais assertivo na condução do governo diante da pandemia. As críticas à gestão pública se tornaram parte da narrativa, com destaque para as divergências políticas em relação às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e às recomendações de especialistas. Reportagens, entrevistas e comentários passaram a questionar a eficiência das ações governamentais, buscando responsabilizar os líderes pela condução da crise sanitária.

Além disso, a cobertura da pandemia no Brasil também refletiu uma ampliação na diversidade de fontes e no tratamento de diferentes camadas da sociedade. Em um momento de crise global, a noção de que a COVID-19 poderia atingir qualquer pessoa, independentemente de classe social ou posição política, foi amplamente divulgada. Essa visão levou à inclusão de diversas perspectivas nas reportagens, incluindo entrevistas com moradores de bairros de classe média e favelas, o que era uma raridade na abordagem dos meios de comunicação para temas como segurança pública e violência.

A pandemia, assim, teve o efeito de revelar a vulnerabilidade comum de todos, de forma universal. A sociedade, ao perceber que qualquer pessoa poderia ser afetada pela doença, teve seu senso de solidariedade aguçado, mas também se deu conta de que os sistemas de saúde pública e privada estavam à beira do colapso, especialmente em cidades como Manaus, Macapá, São Paulo, Fortaleza e Palmas. Este reconhecimento de uma crise comum, sem distinções, gerou um novo olhar para a construção das narrativas jornalísticas.

No entanto, a mudança no jornalismo não é vista com otimismo total. Apesar das tentativas de tornar o jornalismo mais inclusivo e equitativo, o contexto político e social brasileiro ainda alimenta desigualdades profundas. O exemplo da cobertura de temas como segurança pública, tradicionalmente tratado de forma diferenciada conforme a classe social das vítimas e a localização geográfica dos incidentes, mostra que há uma resistência em romper com certas convenções. A periferia e as comunidades faveladas, frequentemente estigmatizadas, continuam a ser tratadas com uma lente de preconceito, como se a violência sofrida nesses lugares fosse natural ou aceitável.

Essa reflexão sobre a desigualdade no jornalismo evidencia que, mesmo com os avanços alcançados durante a cobertura da pandemia, ainda há um longo caminho a percorrer para que o jornalismo brasileiro adote um formato verdadeiramente igualitário. As lições aprendidas com a COVID-19 devem servir para questionar e transformar a forma como a mídia aborda temas sociais sensíveis. A pandemia trouxe à tona a necessidade de um jornalismo mais diversificado e inclusivo, mas será necessário que esse aprendizado seja mantido e aplicado em outras questões, como segurança pública e outras áreas da política social.

A transformação do jornalismo em tempos de crise mostrou que a sociedade pode ser unificada por uma causa comum, mas também revelou que a luta pela igualdade e pela justiça social está longe de ser vencida. O papel do jornalista, portanto, não é apenas informar, mas também contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, crítica e igualitária, onde todas as vozes, independentemente de classe social ou origem, sejam ouvidas e respeitadas.

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Periferia de São Paulo. Foto; Marcelo Augusto

O jornalismo e a pandemia: transformações e desafios em um novo cenário de cobertura

Com a crise gerada pela pandemia da COVID-19, o jornalismo passou a se reinventar, com foco em uma diversidade de vozes e uma busca por narrativas mais inclusivas e próximas da realidade das pessoas.

A normalização da violência em certos contextos e para determinados grupos sociais foi uma constante no jornalismo nas últimas décadas. Muitas vezes, esses eventos eram tratados com uma certa distância, com uma leitura que não levava em consideração a complexidade e a diversidade dos cenários. No entanto, com a chegada da pandemia de coronavírus, essa dinâmica mudou. O vírus, que não escolhe classe social, etnia ou geografia, fez com que a crise de representatividade no jornalismo fosse finalmente reconhecida, e a cobertura passou a dar voz às pessoas comuns, de diferentes realidades e partes do Brasil.

Essa mudança, que poderia ser vista como uma resposta ao distanciamento e à crise de representatividade sofrida pelo jornalismo nos últimos anos, trouxe uma nova compreensão da sociedade. O jornalismo passou a enxergar que o Brasil é um país diverso e que é fundamental mostrar as múltiplas vozes que o compõem. No entanto, mesmo com esse avanço, o jornalismo ainda encontra dificuldades em dar espaço para quem não detém poder, para aqueles que são as vozes mais silenciosas na sociedade.

Um exemplo dessa transformação é o aumento da relevância do jornalismo local, especialmente nas periferias das grandes cidades. Bairros como Capão Redondo, Jardim Ângela e Heliópolis, que sempre estiveram à margem da cobertura midiática, agora ganham destaque. O jornalismo local tem apresentado as histórias de como as pessoas dessas comunidades estão enfrentando o cotidiano da pandemia, o distanciamento social e as dificuldades econômicas. Contudo, muitas dessas histórias ainda são limitadas aos números oficiais de infectados, sem narrativas mais profundas sobre a realidade dos hospitais e da vida nas comunidades periféricas.

Embora o jornalismo de grandes emissoras tenha aumentado o espaço dedicado à pandemia, a cobertura ainda é majoritariamente centrada nas determinações das administrações públicas e nas estatísticas oficiais. A realidade nos hospitais periféricos, em particular, ainda é pouco explorada pelos grandes veículos de comunicação. Muitos jornalistas, tanto de grandes emissoras quanto de sites independentes, têm buscado abordar essas questões com mais profundidade, mas enfrentam desafios relacionados à segurança e à falta de recursos para cobrir a pandemia no terreno.

Em muitos casos, os repórteres que atuam nas periferias têm recorrido ao home office, utilizando suas próprias casas como ambiente de trabalho. Isso tem gerado uma nova forma de produzir conteúdo, com uma certa intimidade com o público. Ao mostrar suas casas e seus gostos pessoais, esses jornalistas criam um vínculo mais próximo com os espectadores. Essa mudança no formato de produção tem gerado um balanço entre as pautas mais pesadas, como a realidade do adoecimento e das perdas causadas pela COVID-19, e as pautas mais leves, como o cotidiano do repórter e sua adaptação ao home office.

Além disso, o jornalismo teve que se adaptar rapidamente às novas realidades trazidas pela pandemia, como a impossibilidade de deslocamento físico dos repórteres para os locais de cobertura. A produção de conteúdo passou a depender muito mais dos próprios cidadãos, que se tornaram fontes de informação, enviando imagens e vídeos da realidade local. Médicos, por exemplo, passaram a enviar imagens dos hospitais em que trabalham para os veículos de comunicação, como tem sido o caso do New York Times, que utiliza material enviado por profissionais de saúde de grandes hospitais.

Esse novo formato de produção jornalística, baseado no uso de smartphones e na participação ativa dos cidadãos, apresenta desafios estéticos e de linguagem. O jornalismo, antes tradicionalmente formal e com regras rígidas de apuração e edição, teve que se reinventar para se adaptar às novas exigências do contexto pandêmico. As ferramentas tecnológicas, como o uso de vídeos gravados pelos próprios repórteres e espectadores, permitiram que a informação chegasse mais rapidamente às pessoas, mas isso também exigiu novas formas de leitura e interpretação das notícias.

Em meio a esse cenário, a TV Globo tem se destacado pela sua capacidade de adaptação e pela busca por manter o jornalismo profissional como um ator relevante na democracia. Apesar do crescimento das fake news e da disputa de narrativas, a emissora tem mostrado ser um exemplo de como o jornalismo profissional pode se manter eficaz e confiável, com cobertura robusta e detalhada da pandemia. O papel do jornalista, que antes era visto como um mediador distante da realidade dos sujeitos, passou a ser mais próximo e, de certa forma, mais humano.

No entanto, é importante refletir sobre o futuro do jornalismo após a pandemia. A quarentena e a crise sanitária causaram mudanças estruturais na forma como a sociedade consome informação, e essas transformações podem ter um impacto duradouro na profissão. Embora o retorno à “normalidade” seja uma opção, muitos acreditam que esse não é o caminho desejável. O jornalismo deve continuar se adaptando às novas realidades sociais, políticas e tecnológicas, buscando ser mais inclusivo, mais próximo da sociedade e, acima de tudo, mais crítico e reflexivo.

A pandemia de COVID-19 deixou uma marca indelével no jornalismo, forçando os profissionais da área a se reinventarem e a repensarem o seu papel na sociedade. O jornalismo, como a sociedade em geral, está em constante transformação, e cabe a ele acompanhar essas mudanças, refletir sobre elas e contribuir para um futuro mais informado e igualitário.

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