O cloroquina pode ser promissor para o Covid 19?

Depois de uma longa conversar com o biólogo Sílvio Lopes, um amigo de longa data, vou abordar um assunto, voltando às aulas de biologia do ensino fundamental e médio?

Vírus são organismos típicos, e deve ser considerado como seres vivos. Essencialmente, um vírus é um material genético ( RNA ou DNA) envolvido por uma cápsula de proteínas e lipídios, não tem nenhuma atividade metabólica quando fora da célula os hospedeiros: eles não podem captar nutrientes, utilizar energia ou realizar qualquer movimento biossintética. 

A reprodução ocorre de forma diferente de células, que quando crescem duplicam seu conteúdo então depois de feito isso dividir-se em duas células filhas. Os vírus replicam-se através de uma estratégia diferente, eles invadem células, o que causa dissociação dos componentes da partícula vira. Esses componentes então interagem com o aparato metabólico da célula hospedeira, subvertendo o metabolismo celular para produção de mais vírus.

Os vírus só sobrevivem se parasitar outros organismos, existem variedades de doenças que são causadas por esses seres, em alguns casos a hipótese de curar de forma espontaneamente e outras que exigem tratamento para vida toda.

Diante desses organismos acelulares, que não são feitos por células, mas por uma (seja DNA ou RNA, ou os dois) sempre envolto por uma cápsula proteica denominada capsídeo que envolve seu material genético, que pode ser um corpúsculo de DNA ou RNA, ou ainda os dois juntos. Alguns vírus, além da cápsula, possuem um envelope de lipídios que reforça sua proteção.

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Banco de imagens Pixabay

Os vírus são parasitas obrigatórios, o que quer dizer que só sobrevivem se estiverem em um organismo, pois, se utilizam das organelas das células do hospedeiro para se reproduzir, mas alguns conseguem sobreviver em algumas superfícies: metal, vidro e plásticos. O vírus infecta a célula, multiplica-se e a destrói, espalhando suas “cópias” para células sadias, onde o processo se repete.

Existem algumas características de enfermidades causadas por infecções por vírus, desde gripes simples até doenças mais graves como o Covid-19, febre-amarela, raiva e AIDS. A forma de contaminação varia. Em muitos casos, há um vetor (comumente um mosquito), ou seja, um hospedeiro intermediário que facilita a disseminação da doença. Em outros, o contato com fluidos ou com o próprio ar contaminado funciona como meio de transmissão.

Os vírus utilizam as células do hospedeiro para reprodução, então, não é fácil matá-lo, a forma melhor e eficaz para o controle das doenças virais é evitar o contágio através das vacinas e medidas de higiene. O uso indiscriminado de antibióticos, além de ineficaz no tratamento de doenças virais, pode tornar as bactérias resistentes a esses medicamentos.

Os vírus não são capazes de realizar atividades metabólicas por si sós e precisam de todo o mecanismo de uma célula para fazerem isso. Não respiram, portanto, não quer dizer que não estão vivos como eu e você, ou como uma bactéria, ou ameba. Suas características que permitem ser considerados seres vivos são apenas a reprodução e a evolução (via mutação). Fora da célula que infecta, o vírus é algo inerte, sem atividade.

Então, não existe nada que possa “matar” algo que não está, propriamente, vivo. Fora da célula, mediantes agentes desinfectantes. O vírus em alguns casos podem ser atenuados, são vírus com baixo potencial patogênico que são utilizados para a produção de vacinas virais atenuadas. Através de todo esse composto ele pode ser destruído (com a destruição do envoltório de proteína, por exemplo), mas como ele não respira nem realiza metabolismo, ele não vai ser “morto”, como uma bactéria que, exatamente como nós, morre: cessa a atividade metabólica.

Dentro da célula, o vírus se replica e, novamente, ele não pode ser “morto”. Uma vez no organismo, ele é destruído, degradado.

Agora, pelo sistema imune. Não existe um medicamento que “mata” um vírus, como um antibiótico elimina uma bactéria: o que existem são medicamentos que interferem no mecanismo de replicação, ou influenciam outros mecanismos de suporte, e possibilitam que o sistema imune reaja ao vírus com eficácia para destruí-lo.

No limite, sempre quem elimina e controla (ou não) um vírus, após sua entrada no corpo, é o sistema imune daquele corpo: não o medicamento.

Essa é razão do porquê doenças virais frequentemente terem um enfrentamento mais

complicado que as bacterianas ou fúngicas: porque, a rigor, não há medicamento que “cure” uma infecção viral, porque nenhum deles “mata” algo que não está propriamente vivo, como um vírus. É sempre o sistema imune que é responsável, e ele pode reagir muito bem com a ajuda do medicamento, ou não ter uma reação tão eficaz conforme o esperado.

O problema do discurso de Bolsonaro em torno da cloroquina está aí. Eu não sou contra a cloroquina, porque é um remédio barato que tem eficácia anti-inflamatória e antiparasitária comprovada (contra o protozoário que causa a malária. EM ALGUMAS REGIÕES do mundo, porque, em outras, ele já se tornou resistente) e que tem sido testada há algum tempo por suas propriedades antivirais.

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Presidente Jair Bolsonaro – Foto: TV Brasil

Descoberta e isolada nos anos 1930 pelo pesquisador da Bayer, Hans Andersag, a cloroquina é um análogo da família do quinino, extraído de uma casca de árvore utilizada há séculos por indígenas.

Agradeçam aos povos da floresta, ao Hans e aos pesquisadores da Bayer por isso (não ao Bolsonaro).

Tem sido utilizada desde os fins dos anos 1940 contra a malária, mas sempre com cuidado por causa de seus possíveis efeitos tóxicos — daí existir a hidroxicloroquina, menos eficaz, mas mais segura.

Isso nos leva a alguns pontos.

PRIMEIRO ¬ É possível, sim, que a cloroquina/hidroxicloroquina tenha efeito contra o coronavírus. Porque o composto tem propriedades antivirais que estão sendo estudadas há algum tempo e que já mostraram efetividade, por exemplo, contra a SARS, causada por um “primo” do atual coronavírus — mas ela, por si só, não será a “cura” da Covid-19.

Essa maneira que o composto tem sido vendido por Bolsonaro é inescrupulosa e será incerta, porque induz as pessoas a pensarem que, pegou Covid-19, basta tomar cloroquina e pronto.

Não é assim.

Ainda será preciso contar com a resposta imune, como acontece com qualquer vírus, e esse resultado pode não ser suficiente, e a pessoa falecer mesmo assim — e isso precisa ficar claro para qualquer fármaco que estejamos falando, inclusive o atazanavir, que também tem sido promissor na pesquisa da Fiocruz.

Nenhum será a cura milagrosa.

SEGUNDO ¬ Todo medicamento precisa de dosagem para ser usado, uma frequência, período e até o momento da administração. Se administrado numa determinada fase da doença, pode ser útil; depois, não mais.

Aí, estão as questões importantes. Mesmo que a cloroquina se prove extremamente eficaz no tratamento da Covid-19, as perguntas são: em que momento ela deve ser administrada para ser tão eficiente no combate ao coronavírus? Qual a dosagem correta e segura? Em quantas vezes deve ser usada? Quanto tempo vai ser usado o medicamento?

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O Reuquinol pode ser promissor para o Covid 19? Foto: Divulgação, Estadão.

Outro aspecto negativo da atitude de Bolsonaro é que as pessoas podem sair buscando cloroquina para tomar sem saber essa informação, e a ciência ainda não tem essas respostas: vai demorar. Lembram que ela tem efeitos tóxicos, se tomada inadequadamente?

Uma coisa é a pessoa ir ao hospital e o médico aplicar a cloroquina de forma experimental, porque estamos falando ali de luta pela vida.

Como disse um amigo meu, se o médico me falar, numa situação de desespero e de vida ou morte, que a gasolina na veia pode ajudar quando os métodos padrões estão falhando, mando encher o tanque.

No entanto, o hospital é um ambiente com equipamentos, com monitoramento constante, com especialistas. A equipe médica pode acompanhar o paciente em todos os momentos, cuidar imediatamente de um efeito colateral que surja, ajustar uma dosagem, se ela foi muito alta, tentar outra substância, se aquela não funcionou.

Outra coisa é a pessoa ir à farmácia e tomar um remédio por conta própria em casa usando uma dosagem que nem a ciência sabe ainda qual seria.

Você, meu caro bolsonarista, que julga que “Bolsonaro tem razão” em tudo, sabe quanto de cloroquina tem de ser usada contra o vírus?

Só tenho uma coisa para dizer, o seu médico também não sabe quanto de dosagem deve ser usada. Por isso que, até o momento, ela tem sido utilizada em estudos e no ambiente hospitalar, onde as tentativas são mais seguras.

TERCEIRO ¬ O novo coronavírus surgiu “ontem”. Até janeiro, ninguém nem sabia quem era o cidadão.

Então, é claro que a ciência ainda não tem todas as respostas. Em um esforço bastante importante da comunidade científica, nunca uma doença nova foi estudada em tão profundidade em tão pouco tempo, com descobertas em tempo real.

Só para efeito de comparação, os primeiros casos notificados da aids surgiram em 1981, mas o HIV foi isolado apenas em 1983 — e só em 1984, foi reconhecida e comprovada sua responsabilidade quanto à doença.

Para uma doença que começou a se expandir em dezembro, nem chegamos ao final de abril, mas já sabemos os sintomas, as principais formas de contágio, quem causa, como é, temos o material genético mapeado e até fotos.

Agora, cientistas não são super-humanos, não são deuses. São pessoas que estudam, que pesquisam e pesquisas levam tempo, mesmo quando feitas nas condições de urgência em que estamos.

Então, enquanto os cientistas passam recomendações para que ajudemos nesse trabalho para que eles tenham tempo de fazer descobertas, não custa nada que as sigamos, né?

Remédios milagrosos não existem, e sempre vai haver uma doença que, individualmente, não conseguiremos enfrentar e acabe nos levando.

No entanto, essa inevitabilidade não pode ser desculpa para, ainda, piorarmos mais a situação.

Já é uma situação muito difícil, haver uma doença nova, causada por um vírus novo, que já matou centenas de milhares de pessoas em um curto espaço de tempo. Gente que não pode velar seus mortos e precisa morrer sozinha, isolada.

Se, ao menos, pudermos agir para atenuar isso, não é melhor?

Então, reflita sobre suas atitudes, lembre-se um pouco das aulas de ciências do ensino médio e pare de pensar que é tudo balela e que “basta o remedinho que o presidente indicou” que você vai ficar “de boas”.

A vida não é assim — e, se você tem mais de 10 anos, já devia saber disso.

 

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