Quando a violência é apresentada como solução, o desespero e a miséria social apenas se agravam.
A recente operação da Polícia Militar na Cracolândia, conduzida sob a gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB), trouxe à tona imagens chocantes que expõem a brutalidade de uma abordagem desproporcional contra uma população já profundamente vulnerável. Com o uso de armas químicas e de fogo, a ação teve como alvo sem-teto que enfrentam as mais extremas carências, como gestantes, idosos, pessoas com deficiência e portadores de doenças crônicas. A violência não se limitou ao uso excessivo da força, mas se alicerçou em uma tentativa de desmantelar a concentração de moradores de rua, não com um olhar de acolhimento, mas com a imposição do terror.
O que se destaca é o desvio de recursos que poderiam ser utilizados para melhorar as condições dessas pessoas e oferecer alternativas concretas de vida, mas que, em vez disso, foram direcionados para intensificar a repressão e garantir uma cidade “higienizada” para aqueles que não convivem com o problema de moradia. O governo do estado, liderado por João Dória (PSDB), gastou milhões com a operação, enquanto ignorava soluções mais humanas e estruturadas que poderiam ter sido desenvolvidas para tratar da questão.
Outro gesto de desumanidade foi o fechamento dos hotéis do programa “Braços Abertos”, criado pelo ex-prefeito Fernando Haddad, que oferecia moradia e apoio a pessoas em situação de rua. Com a justificativa de “acabar com a Cracolândia”, Covas não só deu as costas para as alternativas de acolhimento, mas também favoreceu o setor privado ao destinar os terrenos para a construção de moradias que, inevitavelmente, beneficiarão a especulação imobiliária e não os sem-teto.
A ideologia por trás dessa operação revela um total desconhecimento sobre a raiz do problema. A questão central dos moradores de rua é o preço elevado dos imóveis e dos aluguéis, um reflexo direto da especulação imobiliária que toma conta das áreas centrais da cidade. O que a Cracolândia representa não é apenas um ponto de consumo de drogas, mas um reflexo da precariedade habitacional, que se agrava à medida que políticas de gentrificação e higienização urbana ganham força.
Ao invés de promover a inclusão social e a melhoria das condições de vida, o governo de Covas promove a expulsão da população mais marginalizada, empurrando-a para outras áreas da cidade, sem qualquer perspectiva de transformação real da situação. Ao invés de “acabar” com a Cracolândia, o prefeito apenas transferiu o problema para outra região, deixando para trás uma população ainda mais marginalizada e sem apoio.
A resposta do governo à questão dos moradores de rua não pode ser a violência. Em tempos em que a sociedade busca mais empatia e soluções inclusivas, o uso da força bruta apenas aprofunda o abismo entre os mais ricos e os mais pobres. O “Cidade Linda”, com sua promessa de uma cidade mais organizada, é, na realidade, uma tentativa de esconder os problemas sociais debaixo do tapete, uma solução que ignora a verdadeira transformação necessária para lidar com a pobreza e a marginalização.
O verdadeiro “fim” da Cracolândia só virá quando as políticas públicas focarem na resolução da crise habitacional, na inclusão social e no apoio psicológico, em vez de tratar as pessoas em situação de rua como criminosos ou números a serem apagados. Até lá, a cidade poderá até ficar mais apresentável, mas não estará mais justa ou mais humana.