O Estupro e a Justiça

O destino de quem advoga com direitos humanos é aprender a lidar com as derrotas processuais e trabalhar as frustrações que vem com as injustiças.

Na tarde de hoje, fizemos a sustentação oral em um processo criminal de estupro. Trata-se de um caso de uma jovem que foi violentada pelo ex-namorado, ambos estudante de Medicina na USP de Ribeirão Preto. Este mesmo caso foi apresentado à CPI dos trotes universitários da ALESP, quando denunciamos o conluio da Diretoria da Faculdade de Medicina para encobrir o caso.

O juiz de primeira instância inocentou o réu, alegando que não houve violência física contra a jovem que havia sido estuprada e que a mesma não havia esboçado reação para impedir a violência sexual. Dentre outros argumentos, legitimou a tese da defesa de que houve consentimento da vítima no momento do estupro!

Na tarde de hoje, o Tribunal de Justiça de São Paulo reiterou o posicionamento do juiz de primeira instância, alegando “insuficiência de provas” para condenar o réu. Entenderam que “sem violência ou grave ameaça, não há crime”, referindo-se apenas à violência física que deixa marcas no corpo, esquecendo-se das violências psicológicas e mentais, além das simbólicas, que deixam marcas na alma!

É bem possível que os Desembargadores sabem que o crime de estupro requer, tão somente, a

Na verdade, em crimes como o estupro (via de regra, crimes de racismo e homofobia e transfobia também), a prova dos fatos é de difícil obtenção. A violência é premeditada, tem a ver com o sentimento de posse sobre a mulher e controle do seu corpo.

Pesquisas indicam que 63% das mulheres vítimas de estupro não reagem no momento da agressão sexual sofrida: há o medo de que a violência desenvolva-se para fatos mais graves, como homicídio.

Tudo isto foi dito. Desmontamos a farsa da defesa de querer incutir na vítima a responsabilidade pelo mal sofrido. Demonstramos que o réu criou e recriou os fatos, a fim de ajustar a sua defesa aos depoimentos da vítima. Afirmarmos o caráter machista do crime praticado e falamos da responsabilidade da Justiça em conter a violência baseada no gênero. Tudo em vão!

Em verdade, a palavra da vítima teve pouca importância (ou nenhuma!), restando a busca fria de uma prova jurídica (quase) impossível de se obter, desconsiderando as vulnerabilidades criadas pelos preconceitos estruturantes, como o machismo. Restou a sensação da impunidade…

Já disse e repito: quando os preconceitos estruturais sentam nos bancos dos réus, todo o sistema se move para punir as suas vítimas!

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