A justiça tem que ser feita

O ato hoje foi um suspiro de humanidade. Genuíno e massivo. Revi ali muitos amigos queridos, pessoas raras de se encontrar. Vi muita tristeza, muito luto pelo desamparo e desesperança que horrores como o de ontem causam.

Como me disse Lucas Bulgarelli, foi um ato subjetivo. Pouca coisa objetivamente nossa presença na rua mudaria. Mas era uma situação limite de nossa humanidade. O choque de ontem deu insônia generalizada nas pessoas ali, seguida de angústia ao longo do dia, “uma sensação de sufocação”, que levou aqueles que de alguma forma se identificam com a pauta de direitos humanos a precisar reagir à imensa solidão e vulnerabilidade que o horror causa.

Era premente se unir, ocupar o espaço público, acalentar uns aos outros com nossa presença e palavra de conforto.

Também foi um lugar de reflexão. Sabemos que as milícias policiais de alguma forma fugiram do controle e até a classe política está melindrada no momento.

Como disse Paulo Iotti, a última defesa do Estado de Direito era essa singela presença e indignação coletiva nas ruas. Um freio à banalidade do mal em não aceitar Marielle, mulher, negra, bissexual, militante metralhada em praça pública. Como disse Deisy Ventura, era o limite do tolerável, caso contrário nossa única saída seria o aeroporto.

Renan Quinalha questionou hoje como acreditar numa democracia em que a esquerda é fisicamente obstruída do poder, impedida, cassada ou assassinada? E essa é a questão fundamental. Não há instituições nas quais confiar.

Mas a barbárie parece ter encontrado uma pequena flor que rompe o ódio e o asfalto, como Drummond falava. Marielle virou mártir e criou uma pequena primavera.

As consequências em longo prazo não sabemos, mas nos cabe seguir a luta por reparação e verdade nesse caso. E mostrar que a luta de Marielle contra a violência policial nas periferias, o genocídio da população negra, a violência contra a mulher e o terror de Estado é verdadeira e mostrou sua materialidade.

Muitas lágrimas sim, mas um pingo de dignidade demonstramos que ainda temos. Resistência foi o lema da noite, e luta será o de amanhã. Foi só o início.

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